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#CaliSchäffer | Mentiram pra mim

Enquanto escrevo este texto, chove lá fora. O dia está nublado. O sol se escondeu medroso atrás das nuvens. Não gosto de dias assim, cinzas. Me deixam triste. Gosto de luz, de dias claros, ensolarados. Para mim, o cinza é uma cor covarde, não é preta nem branca. Certamente se considera neutra, como aquelas pessoas que não assumem uma posição clara a respeito das coisas que acontecem no decorrer das nossas vidas.

Se não me falha a memória, na Bíblia existem uns 37 versículos que tratam sobre a luz. No livro sagrado a ausência de luz implica na presença do mal. Ali, a escuridão é o símbolo do pecado, da ignorância, do afastamento de Deus.

Por outro lado, Aristóteles entendia que a virtude se encontra no meio. A se concordar com ele, o cinza seria uma cor linda. Eu discordo em parte. Nem sempre o meio é o melhor lugar de se ficar posicionado. Não se pode ser meio honesto, meio corrupto, ou se é uma coisa ou se é outra.

Mas estou divagando. O que eu quero dizer mesmo é que mentiram pra mim. Me disseram que quando a pessoa que se ama parte, passado algum tempo a gente começava a se acostumar com a ausência dela. Que as lembranças começavam a se esconder na escuridão do tempo, na profundeza da memória, e iriam se apagando, lenta e inexoravelmente, e que restaria apenas a saudade.

Para mim, o que está acontecendo é exatamente o contrário do que me disseram que aconteceria. É que daquela profundeza e daquela escuridão do tempo, as coisas boas que lá estavam guardadas estão ressurgindo a toda hora, e voltam à minha memória como num filme de longa metragem que hoje vejo de trás para a frente.

Filme que começou na amizade que nasceu de conversas que aconteceram nas escadarias de pedra do antigo Ginásio Madre Margarida, nas toras de lenha nas quais sentávamos para falar sobre a vida, sobre uma paixão e sonhos meus que nasceram na beira do mar de Capão da Canoa num verão em 1962, uma fantasia que as ondas destruíram num instante, como aqueles castelos de areia que a gente construía ali, quando crianças. Essas conversas íntimas entre dois amigos acabaram se transformando em amor, naquele sentimento mais profundo e puro de compreensão estável e duradoura que deve existir no relacionamento entre um homem e uma mulher.

O problema que sinto agora, é que o longa metragem que vejo na enorme tela da minha vida é um daqueles do tempo do cinema mudo. Nele só vejo o movimento, não ouço vozes, não ouço risos, não ouço gargalhadas. Não ouço nada. O silêncio que desse filme aflora é ensurdecedor.

Por isso meu amor, num dia como o de hoje eu preciso te dizer uma coisa: no jardim da nossa casa os passarinhos continuam cantando, parece que estão felizes, tudo ali fora aparenta continuar bonito. No entanto, o vazio que deixaste atrás de ti com a tua partida, naquilo que foi o nosso lar, me afetou profundamente. E que nesse filme mudo que eu vejo e revejo todos os dias, todas as noites, sinto uma necessidade enorme dos teus beijos, de ouvir a tua voz, de sentir perto do meu rosto a tua respiração, de reviver, enfim, todas as nossas fantasias.

Mentiram para mim, amada, então, por favor, veja aí se existe alguma forma de preencheres outra vez o vazio da minha vida. Eu preciso de ar para respirar.

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