A primeira coleção de livros que o Pai me deu, quando eu tinha doze anos, foi a de Monteiro Lobato. São 17 volumes numa edição de 1956 da Editora Brasiliense Ltda., que li toda e ainda mantenho na minha biblioteca como lembrança dele. O volume 16, Tomo I, conta a história dos Doze Trabalhos de Hércules, numa linguagem dirigida às crianças.
Hércules foi o maior herói da mitologia grega, conhecido por sua prodigiosa força física e por ter realizado trabalhos considerados impossíveis. Era filho de Zeus, o mais poderoso dos deuses, que se apaixonou por uma mortal chamada Alcmena. Zeus era um conquistador incorrigível, descendo do céu para realizar suas travessuras amorosas. Para seduzi-la, transformou-se no seu esposo, que havia viajado, e da relação que tiveram nasceu o semideus.
Por ser fruto de uma traição do marido, Hera, a esposa de Zeus, ciumenta e vingativa, perseguiu Hércules durante toda sua vida. Quando ele ainda era um bebê, colocou no seu berço duas cobras, que ele conseguiu matar esmagando-as com sua força.
Por causa de uma maldição que ela lhe lançou, certo dia Hércules acordou transtornado e matou seus três filhos, que viu como se fossem três monstros. Para ser perdoado pelo crime, foi obrigado a realizar doze trabalhos, tidos por todos, até pelos deuses do Olimpo, como improváveis de serem executados.
O sexto, se não me engano, foi limpar, como castigo, as Cavalariças de Augias, um rei que odiava e invejava o herói. Os estábulos desse rei eram imensos, abrigando cerca de dois mil animais. Como nunca haviam sido limpos, durante muitos anos a camada de esterco que se acumulou no local tornou-se espessa e dura, algo humanamente impossível de se desfazer.
Examinando a área, Hércules constatou que num morro acima existiam dois rios. Dada sua extraordinária força física, durante a noite cavou um longo canal, juntou as águas de ambos e as canalizou na direção das cavalariças. Antes, derrubou as barreiras físicas que cercavam o curral para permitir que a enxurrada entrasse. A torrente que se formou limpou tudo. Levou um dia para fazer o serviço, algo inimaginável.
Como pagamento, o rei havia combinado que lhe entregaria o equivalente a dez por cento dos animais que ali existiam, mas não cumpriu o acordo, faltando com a palavra dada, algo que caracteriza a essência do seu caráter.
Uma das simbologias desse trabalho significa que o enorme volume de imundície encontrado nas estrebarias do rei Augias representa a deformação moral do seu governo e dele mesmo. Os rios são um sinal de vida, e a água que limpou os estábulos simboliza a purificação de toda a corrupção que ali havia.
Pensando em como chegamos aqui no Brasil a um nível tal de desesperança, que atinge o ponto de não termos mais a quem recorrer para nos livrar dos males que o sistema político nos causa, lembrei dos livros que o Pai me deu, das histórias dos Doze Trabalhos de Hércules e da falta que nos faz um herói como ele, com força suficiente para limpar com seus poderes toda a sordidez que nos sufoca.