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Por que real é a moeda que mais perdeu para o dólar no mundo e o que esperar de 2025

Foto: Reprodução

O dólar voltou a bater recorde nesta quinta-feira (19/12) ao chegar a R$ 6,30, mas o valor recuou após o Banco Central fazer dois novos leilões, de US$ 8 bilhões ao todo desta vez, para conter a alta da moeda americana.

O dólar comercial fechou a R$ 6,12 nesta quinta-feira.

Foi o terceiro dia seguido que a moeda americana ultrapassou o patamar de R$ 6,20.

A disparada neste final de ano, que levou o dólar acima de R$ 6 e a bater recordes em sequência, consolidou o real brasileiro como a moeda que mais se desvalorizou até agora em 2024 entre as mais negociadas no mundo.

Isso em um ano marcado pela grande desvalorização das maiores moedas do mundo diante do dólar.

Entre as 20 mais negociadas, apenas três delas não se desvalorizaram diante da moeda americana — segundo dados até a manhã de quarta-feira e, desde então, o valor do real em relação ao dólar caiu ainda mais.

Em 1º de janeiro de 2024, um dólar valia R$ 4,85. Na manhã desta quarta-feira (18/12), um dólar valia R$ 6,12 — uma desvalorização de quase 21%.

Apenas quatro outras moedas desvalorizaram em dois dígitos contra o dólar este ano: o peso mexicano (16%), a lira turca (16%), o rublo russo (15%) e o won sul-coreano (10%).

Foto: BBC News Brasil.

Outras moedas também tiveram desvalorização contra o dólar: o iene japonês (8%), o dólar canadense (8%), o dólar australiano (7%), o franco suíço (6%) e o euro (5%).

As únicas que não sofreram diante do dólar americano foram o dólar de Hong Kong (que se valorizou 0,6%), o rand sul-africano (que se valorizou 1%) e a libra esterlina britânica (que chega nas últimas semanas do ano com cotação praticamente igual).

Confira abaixo alguns dos motivos das desvalorização das moedas no mundo e no Brasil, e também um panorama do que pode acontecer no próximo ano — quando os Estados Unidos estarão sob nova liderança.

A valorização do dólar no mundo

O movimento de valorização do dólar e desvalorização das demais moedas é mundial.

Após a pandemia, o banco central americano elevou os juros básicos de sua economia, para controlar um surto de inflação no país. Os preços haviam subido por conta de conflitos internacionais e um desalinhamento de cadeias internacionais de produção por causa da pandemia.

Essa alta de juros americanos atrai capital do mundo todo. Investidores são atraídos pela perspectiva de bons retornos em papéis com relativamente baixo risco — no caso, títulos do governo dos EUA.

Quando o capital sai desses outros países, existe uma grande demanda nos mercados por dólares e uma oferta grande de moeda estrangeira: o que provoca a valorização do dólar e a desvalorização das demais (entre elas o real brasileiro).

As moedas de países emergentes são as que costumam se depreciar mais — já que muitos investidores estão nesses países justamente para aproveitar juros altos. E é desses países que costuma sair o maior fluxo de capital rumo ao mercado americano.

Ao longo de 2024, havia a expectativa no mercado de que o banco central americano fosse cortar os juros da economia do país. Esse movimento “empurraria” capital internacional para os mercados estrangeiros.

Mas dados oficiais mostraram que a inflação nos EUA não estava caindo no ritmo esperado. E a economia americana continuou se acelerando ao longo de 2024, o que também gerou mais inflação e retardou a queda dos juros.

O tão esperado corte de juro americano só começou a acontecer em setembro — e em um ritmo ainda tímido.

Por isso, o dólar seguiu com cotações altas ao longo do ano. E esse movimento se acentuou ainda mais em novembro, quando Donald Trump derrotou Kamala Harris nas eleições americanas.

“Estamos vendo uma depreciação muito grande não só do real como de todas moedas emergentes após a eleição de Donald Trump, que tem uma agenda política de maior internalização da economia americana e maior restrição da imigração. Isso são duas medidas muito inflacionárias para a economia americana”, diz Álvaro Frasson, estrategista macro do BTG Pactual, no canal de vídeo do banco.

“A consequência é que o Banco Central americano, o Federal Reserve, não vai conseguir cortar o juro americano tanto quanto se imaginava inicialmente e a consequência é um dólar americano mais atrativo do que se imaginava.”

O problema do Brasil: A volta da inflação

A desvalorização do real diante do dólar foi constante ao longo do ano — em apenas dois meses (agosto e setembro) o real terminou valorizado em relação ao dólar. Em todos os outros meses de 2024 houve depreciação.

Um padrão parecido é observado em outras moedas emergentes, como a lira turca e o peso mexicano, que também perderam muito valor este ano.

No caso do real, a desvalorização se acelerou desde novembro, mês em que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva anunciou seu pacote fiscal.

Entre 7 de novembro e 18 de dezembro, o real se desvalorizou 7,3% — com o câmbio subindo de R$ 5,67 para R$ 6,12.

Foto: BBC News Brasil.

O problema de fundo da economia brasileira é a inflação, que pode fechar acima da meta do governo este ano (que é de 4,5%). A última medição do IPCA (o índice usado pelo governo), mostra que a inflação estava em 4,87% nos 12 meses até novembro.

Uma combinação de fatores — a economia brasileira aquecida, o baixo desemprego e dúvidas sobre a trajetória da dívida pública e sobre a capacidade do governo de equilibrar as contas com seu pacote fiscal recentemente anunciado — leva alguns no mercado a especular que a inflação brasileira pode subir ainda mais nos próximos meses.

Isso vem provocando aumentos de juros no Brasil — em um momento em que os EUA estão cortando seus juros. Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu elevar a taxa básica Selic de 11,25% ao ano para 12,25% ao ano.

O comunicado do Copom cita a preocupação das autoridades monetárias brasileiras com o risco de alta da inflação: “A inflação cheia e as medidas subjacentes têm se situado acima da meta para a inflação e apresentaram elevação nas divulgações mais recentes”.

Economistas e analistas do mercado dizem que a desvalorização do dólar acontece em parte por desconfiança do mercado de que as medidas econômicas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), não serão suficientes para controlar a inflação.

Em tese, o juro brasileiro mais alto serviria para atrair investidores, valorizando a moeda nacional. No entanto, o temor no mercado é que a inflação alta acabe neutralizando qualquer ganho obtido com juros altos — e isso faz com que o dólar acabe se valorizando.

No domingo, Lula rebateu as críticas ao seu pacote fiscal e disse que “ninguém nesse país, do mercado, tem mais responsabilidade fiscal do que eu”.

“Entreguei esse país, sabe, numa situação muito privilegiada. É isso que eu quero fazer outra vez. E não é o mercado que tem que ficar preocupado com os gastos do governo. É o governo. Porque, se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, quem vai pagar é o povo pobre”, disse Lula à rede Globo.

O presidente também criticou o nível alto da taxa básica de juros: “A única coisa errada nesse país é a taxa de juros estar acima de 12%”.

Uma parte do pacote começou a ser aprovada no Congresso na terça-feira. A expectativa do governo é aprovar ainda esta semana, antes do recesso parlamentar de fim de ano.

O que acontece em 2025?

Existe hoje uma incerteza no mundo sobre qual seria o rumo do dólar em 2025 e em diante. O dólar vai continuar se valorizando ou vai cair?

O valor do real brasileiro dependerá em parte dessa tendência mundial.

O desejo do presidente eleito Donald Trump é que a moeda americana se desvalorize.

Ao longo de sua campanha eleitoral, ele prometeu um dólar mais fraco durante sua gestão, que começará em 20 de janeiro de 2025.

Trump pretende repetir o que fez na sua gestão anterior: travar uma guerra comercial que fortaleça a balança comercial americana.

Dentro dessa estratégia, o governo quer um dólar mais fraco diante das outras moedas. Um dólar desvalorizado encarece o valor de produtos importados dentro dos Estados Unidos — dando a produtos americanos uma vantagem em relação aos estrangeiros. Igualmente, no exterior, os produtos americanos ficam mais baratos e competitivos.

No entanto, apesar de defender um dólar desvalorizado, os EUA viram uma valorização do dólar contra a maioria das moedas do mundo desde a eleição de Trump.

Os mercados internacionais acreditam que muitas das políticas sinalizadas por Trump até agora vão acabar provocando o efeito contrário ao desejado pelo presidente eleito.

“O presidente eleito Donald Trump tem um problema com o dólar. Nos últimos meses, ele demonstrou uma clara preferência por uma taxa de câmbio mais fraca para apoiar a competitividade das exportações dos EUA e ajudar a reduzir o déficit comercial dos EUA”, escreveu em artigo o pesquisador de economia global do think tank britânico Chatham House, David Lubin.

“E, no entanto, como o mercado percebeu desde a eleição dos EUA, o resultado muito mais provável é que suas políticas acabem fortalecendo o dólar. O risco é que o dólar americano — que já está caro — se torne mais obviamente supervalorizado, e isso pode aumentar o risco de instabilidade financeira global.”

Isso acontece, segundo ele, por um certo otimismo com a economia americana. No passado, o dólar se fortaleceu cada vez que a economia americana demonstrou força em relação às demais. E as previsões atuais são de uma expansão econômica americana mais vigorosa do que a da Europa e China.

Além disso, Lubin lista as próprias políticas propostas por Trump. Tarifas na importação de produtos — como o presidente eleito quer impôr a todo o resto do mundo, com especial atenção para a China — costumam provocar uma desvalorização das moedas estrangeiras.

Além disso, Trump promete cortar impostos, também repetindo o que foi feito em sua primeira gestão, o que pode gerar pressões inflacionárias nos EUA. E a forma para lidar com essas pressões seria aumentando a taxa de juros americana — outra medida que costuma valorizar o dólar americano.

Nesta quarta-feira (18/12), o banco central americano vai anunciar nova decisão sobre a taxa de juros. A expectativa do mercado é de um corte de 0,25 pontos percentuais, trazendo a taxa para uma banda entre 4,25% e 4,5%. Isso é um ponto percentual abaixo dos patamares de setembro, quando o banco central americano começou seus cortes.

A dúvida no mercado é sobre quão rápido e profundo será o corte dos juros nos próximos meses.

“O debate está acalorado”, disse Diane Swonk, economista-chefe da KPMG à agência de notícias Reuters.

“A economia [americana] continua mais forte do que os participantes da reunião [do Federal Reserve] pensaram que estaria quando começaram a cortar [os juros] em setembro, e as medidas para conter a inflação parecem ter estagnado.”

No Brasil, há um sentimento entre investidores de que o dólar possa cair nos próximos anos, com valorização do real, mas em patamares não muito distintos do atual. O boletim Focus, uma pesquisa do Banco Central com agentes de mercado brasileiro, veem o dólar caindo nos próximos anos — para R$ 5,85 (ao final de 2025), R$ 5,80 (2026) e R$ 5.70 (2027).

Mas essas projeções vêm subindo a cada semana — o que mostra que existe um sentimento de que não haverá muito espaço para a moeda brasileira se valorizar muito no futuro próximo.

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