Cáli é um perguntador e um caçador de respostas. Sei disso porque o conheci como meu aluno e depois saímos juntos pela vida a procurar razões de tudo. De inteligência brilhante, porque sempre curiosa e insatisfeita. Cáli nos dá o privilégio de suas estocadas, com as esporas de seu cérebro desafiador, cada vez que expõe no papel a sua busca da Razão e da Justiça. Democrata por essência. Culto por muito suor, inteligente por opção e trabalho. Ético por formação. E a companhia ideal para quem queira crescer com prazer intelectual. Seu mundo poderia ter sido o mundo. Ele preferiu ser universal na margem direita do Taquari.
– Alexandre Garcia, jornalista
(Novembro de 2006)
Ainda parafraseando Alexandre Garcia, o Cáli, que já nos deu em livro o gozo de sua companhia, agora abre o seu coração para contar da sua vida, da sua gente, das suas coisas. Ele relata com uma lucidez impressionante fatos da política e do cotidiano, do bar e da profissão que, para os mais desavisados, poderiam passar ao largo. Ele nasceu Carlos Alberto Schäffer, em 5 de junho de 1944, às 9 horas, um dia de sol, filho de Nelly Pretto e João Alberto Schäffer. De muitos amigos, o Cáli enfrentou e enfrenta a vida de frente e não tem obstáculo que não tenha pelo menos tentado ultrapassar.
Formado em Ciências Jurídicas e Sociais – Direito pela Universidade de Passo Fundo, mas lembra com saudade do Ginásio Madre Margarida e do Colégio São Pedro, onde se formou Técnico em Contabilidade. Casado com Lilian Peretti, tem três filhos – Fernando, Rafael e Maurício, e tem um neto, João Pedro, “que eu adoro, é meu amigão”. Fundador e presidente do Centro de Cultura Alemã. Presidiu a subseção da OAB no Vale do Taquari, recebendo da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do RS, a maior condecoração concedida para advogados gaúchos, a Comenda Osvaldo Vergara.
Vamos passear com o Cáli pela história, pela política, pela infância, pelas amizades, pelas mazelas e alegrias da vida.
Qual é a lembrança mais antiga que tu tens?
Não é bem uma lembrança pessoal, mas a de uma foto quando eu tinha um ano e oito meses, com uma bola de futebol na mão, brincando na Praça da Bandeira, no tempo em que caminhava. Logo depois que tiraram a foto, eu fui atacado pela poliomielite, que me afetou só as pernas, ainda bem…
Lembras do dia em que adoeceste?
Lembrar não lembro, mas minha mãe contava que um certo dia amanheci com uma febre fortíssima. Ela ligou para o meu pai dizendo que eu não conseguia ficar em pé, muito menos caminhar. O pai trabalhava na Ford e saiu correndo para buscar o Dr. Annerl. Depois de me examinar, o médico disse que era uma gripe e começou a tratar. No dia seguinte, minha avó, Magdalena Pretto, vendo que eu não tinha forças nem para ficar sentado e percebendo que eu tinha um olho que ficava sempre aberto, disse para a mãe que aquilo não era gripe coisa nenhuma, que era paralisia infantil. A mãe, olhando para ela apavorada, falou que ela estava ficando louca, que não podia ser verdade. Desesperada, chamou meu pai novamente, que trouxe o Dr. Annerl, que então confirmou o diagnóstico da vó.
E aí, o que foi feito?
Meus pais fizeram tudo o que era possível e imaginável para me curar. Como, por exemplo, me levar a Minas Gerais, numa pequena cidadezinha onde havia um padre considerado milagreiro, chamado Pe. Antônio. Fomos de avião, ele e eu, numa viagem bastante dificultosa, inverno, chuva, e meu pai me carregando no colo durante o tempo todo. Eram milhares de pessoas apertadas numa ruazinha de cinco metros de largura que não comportava tanta gente, e todos atrás da cura para os seus problemas. Tanto chamou atenção a nossa viagem que o jornal A Folha de São Paulo contou o meu caso e publicou a nossa foto. O padre nem apareceu, com medo de ser trucidado pela multidão. Perdemos a viagem, mas felizmente voltamos, com o problema que nos levou até lá e com o jornal.
Que outras crendices foste submetido?
Certa ocasião, eu estava brincando na calçada e o meu pai mandou me chamar. Quando cheguei na sala de estar da casa, ali estava uma senhora preta, vestida como se vestem as baianas, vestido de roda. Tinha sido chamada para me dar passes. Me lembro que a mulher rodopiava pela sala fazendo rodar aquele vestidão branco. Da garganta saíam uns sons guturais, ela fumava um charuto que exalava um fedor impressionante (acho que foi por isso que nunca fumei charutos), largando a cinza no chão e cuspia para todos os lados. E eu ali, só olhando para a mulher e com o rabo do olho para minha mãe – que era toda chegada em limpeza – só pensando na bronca que ela ia dar no pai na hora de limpar a sala. Deu em nada.
É folclore ou é verdade que te “enfiaram” na buchada de um boi?
É verdade. Eu era pequeno, ele chegou em casa com quatro homens carregando um bucho de boi com todo o “recheio” dentro, uma massa mole verde e quente, fumegava ainda. Me tiraram a roupa e me colocaram dentro daquela coisa. Só gostando muito de um filho para enfiá-lo até o pescoço na… e deixá-lo lá por mais de uma hora (risos). Não adiantou nada.
É natural, tu faria o mesmo…
Faria sim. Naquela época era uma doença incurável. E óbvio que qualquer pai faria de tudo para encontrar alguma coisa que pudesse dar esperança de cura, até absurdas, como essas que fizeram comigo. Naquela época não se tinha o conhecimento que se tem hoje a respeito da poliomielite. E eu falei de algumas, mas foram centenas de tentativas. Tudo o que diziam para o meu pai fazer, ele fazia. Chegou a importar um aparelho da Alemanha que dava choques que diziam ser para “ativar os nervos”. Quase me eletrocutaram com aquilo (risos). Quando ligavam aquele troço, tremia tudo, menos os “nervos”, que não davam a mínima para o que estava acontecendo.
Como é a convivência com essa limitação?
Nunca tive problemas com isso. Meus pais sempre me trataram como se eu não tivesse limitação alguma. Não me davam facilidades. Me tratavam como um menino normal. Meu pai me mandou trabalhar desde pequeno. Comecei enrolando mandolate na fábrica do Garibaldi Chanan. Ele me acordava às cinco horas da manhã e eu tinha que sair para o serviço, e a pé. Ganhava cinco reais por semana. Era pouco, mas tirávamos a diferença na massa que comíamos quando o Garibaldi dava uma saída da sala. Em casa, eu era o encarregado de tirar o pó e passar cera no chão. Para ganhar tempo, descobri que se eu sentasse no pano de lã, enquanto tirava o pó na frente, já ia lustrando o assoalho atrás de mim. Posso dizer que fui eu quem inventou essa tecnologia (risos). Certamente foi por isso que nunca senti diferença. Sempre trabalhei, estudei e brinquei com os meus amigos normalmente, como se essa dificuldade não existisse. Até jogava bola nos potreiros por aí. Eu era o goleiro. Ficava acocorado e a bola que passasse por cima dos meus braços levantados não era considerado gol. Eu só gritava “não valeu” e ninguém reclamava nem duvidava do que eu dissera.
Quem eram os teus amigos nessa época?
Aqui e agora, lembro do Luiz Azir Cauduro, Jorge Filter, Paulo Chanan, o Adroaldo Chanan (Bilaco), Pedro Annerl, Amilcar Cé, Jonas Pretto, o Delvo Simonini, eram muitos, tantos, que ao citar esses sei que estou cometendo uma injustiça com os outros. Eu tinha 10, 12 anos nessa época.
Quais eram teus sonhos de criança?
Lembro que com sete anos já queria ser advogado. Meu pai queria que eu fosse juiz. Achava que seria melhor para mim porque eu trabalharia só sentado. Mas eu resolvi ser advogado. Foi uma das poucas vezes que contrariei a vontade do pai. Nunca tivemos desentendimento algum, ele era meu amigo. Quando eu era pequeno e incomodava, e minha mãe mandava que ele me batesse, ele me agarrava com cara de bravo, me levava para o quarto, me enrolava num cobertor e dizia que era para gritar como se estivesse apanhando muito. Quando ela descobriu essa artimanha, deixou de transferir para ele a responsabilidade do corretivo e passou ela mesma a me bater, para garantir o castigo.
Mas o que tu fazias de tão grave?
Todas as malandragens que os meninos da minha idade faziam. Andar pelos morros caçando passarinhos, descendo lombas com carrinhos. Tomar banho sem roupa (para não chegar em casa com a roupa molhada) no “buião”, um poço que existia no Arroio Lambari, na frente da casa dos Bratti. Subíamos nas árvores mais altas e nos jogávamos num ponto limitado que devia ter uns três metros de profundidade ou mais, e tinha que voltar com a mão cheia de areia para provar que se havia atingido o fundo. Geralmente ia de carona na bicicleta do Delvo Simonini. Quando descabiau que se dávam lá, os pais comiam. Eles achavam que era perigoso, nós não víamos perigo algum. Era o máximo.
Tu tens fé?
Com sete anos de idade, eu colecionava santinhos, que eram guardados organizadamente por tamanho dentro de uma caixa de sapatos. Todas as noites rezava a Deus pedindo que ele me curasse, que me deixasse ficar igual aos meus amiguinhos. Ele nunca ouviu as minhas preces. Mais tarde li Fausto, de Goethe (história do homem que vendeu a alma ao diabo) e fiz mais uma tentativa. Também não deu certo. Aí eu desisti. Só acredito nas minhas potencialidades.
Que história foi aquela, da crônica que escreveste quando tua mãe faleceu, onde citas um ditado dela de que “a mentira mata a alma”?
Não sei de onde ela tirou a frase, mas me marcou profundamente. Era difícil mentir para minha mãe. Nem de costas eu conseguia porque o olhar dela era penetrante. Acho que é olhar de mãe. Mas serviu para que a gente tivesse uma relação de lealdade e confiança com os pais. Nunca escondi nada deles e eles sempre me apoiaram.
Sabemos que tens uma das bibliotecas mais sedutoras de Encantado. E que lês muito. De onde vem o gosto pela leitura?
Tenho muito orgulho da minha biblioteca. Já aviso que não empresto livros para ninguém. Só na de casa são mais de 2.300 volumes, do escritório, os técnicos, nem sei quantos são. Aprendi a gostar de ler seguindo o exemplo de meus pais e fui por eles incentivado a adquirir este hábito. Dá para imaginar que naquele tempo, mais de cinquenta anos atrás, além de não termos televisão, as crianças tinham de obedecer às regras estabelecidas. Tinha hora para brincar, para tomar banho, para dormir, hora “de fazer os temas”, como se dizia, e para ler. Comecei lendo gibis, o que era proibido pela Igreja. Nunca dei bola para isso, nem meus pais me proibiram de lê-los.
Quanto aos livros, lembro que certo dia o pai trouxe para casa uma coleção completa das histórias do Monteiro Lobato, O Sítio do Pica-Pau Amarelo. Acho que aí foi o início de tudo. O primeiro que li foi Reinações de Narizinho. Nunca mais esqueci da Emília, do Pedrinho e Narizinho, da Dona Benta, do Visconde de Sabugosa e dos demais personagens. Mais tarde, vieram a coleção do Tarzan, do Edgar Rice Burroughs, que li toda, editada pela Companhia Editora Nacional. E outras obras da Coleção Terramarear (ainda tenho alguns volumes na minha Biblioteca), Jack London, do qual me marcou Caninos Brancos, Daniel Defoe, Robert Louis Stevenson, com A Ilha do Tesouro, que reli muitas vezes (complementado depois pelo De Volta à Ilha do Tesouro, de H. A. Calahan) e o seu famoso O Médico e o Monstro, Alexandre Dumas, Moby Dick.
Tua leitura tem forte influência dos teus pais?
Sim. Influenciado pela minha mãe, que adorava esse tipo de literatura, comecei a ler contos de terror, como os de Edgar Allan Poe, Drácula, de Bram Stoker, Frankenstein, da Mary Shelley, e livros policiais, todos os do Conan Doyle, As Aventuras de Sherlock Holmes, os da Agatha Christie, só para citar alguns. Enquanto a mãe gostava de livros policiais e de terror, o pai já me indicava Ernest Hemingway, como Adeus às Armas ou Por Quem os Sinos Dobram. Por minha conta, fui descobrindo, depois, William Faulkner, Dostoiévski, Tolstoi, Zola, Stendhal, com seu maravilhoso O Vermelho e o Negro. Balzac, A Comédia Humana (que releio quando estou deprimido e cuja leitura me faz sair da fossa, até hoje não sei a razão), Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido. De lá até aqui, o nível e a necessidade de leitura foram sempre aumentando, tanto que até hoje não consigo dormir sem ler, hábito que adquiri na infância.
Estás agora realizado: Plantou árvores, criou filhos e escreveu um livro: Um Olhar Sobre o Cotidiano.
Posso morrer em paz, né? A Lilian (que é professora aposentada e lê muito romance) acha que este não é um livro, pois ali estão minhas crônicas e artigos inéditos ou publicados nos jornais da região. Ela acha que eu tenho que escrever um romance. Vou tentar satisfazê-la. Escreve aí: O livro só foi publicado porque o jornal Força do Vale acreditou e me incentivou a publicá-lo.
E com as mulheres, também eras um guri “levado”, difícil de lidar?
Nunca tive problemas. Meu pai liberava o carro, um Ford 51 verde, e eu era “o cara” no volante. Todos os filhos dos sócios da Ford eram considerados ricos, “os filhinhos de papai”. Pouquíssimos jovens tinham carro, nós éramos um sucesso com as mulheres…
Então as mulheres eram interesseiras?
Não, imagina… Eu é que era uma simpatia. O carro só ajudava um pouco. Outro dia o Nico (Omar Ferri – advogado e escritor) me disse que tinha inveja de mim porque naquela época ele já era advogado, tinha seu escritório montado, era vereador, secretário da prefeitura e não pegava nada…
E aí a Lilian te pegou!
Pois é, eu tinha 16 anos e namorava uma menina aqui em Encantado. Era verão, fui para Capão da Canoa e me apaixonei por uma garota de São Leopoldo chamada Fernanda. Foi uma paixão arrebatadora, paixão de verão. Quando voltei, larguei minha namorada e a Lilian, que era amiga dela, começou a fazer o meio de campo, dar uma de cupido, tentando nos reaproximar, queria que eu voltasse para ela. Nessas conversas todas, acabamos nos apaixonando e aí já se foram 46 anos.
E a amiga dela deve ter ficado “p” da vida, perdeu o amor e a amiga…
É verdade, a Lilian pode ter perdido a amiga, mas ganhou o meu amor eterno, pelo que ela foi e pelo que ela é para mim. Posso mandar um recado?
Claro que sim.
Lilian, eu te amo!
Legal… Quando começou o namoro com a Lilian, deve ter sido outra “bomba na high society”, afinal, vocês são primos e como dizem os poetas, amor de primo é para a vida inteira.
Tinha gente que não aceitava, e não era por orientação religiosa ou de genética, mas sim pelo meu problema físico. Para estas pessoas, eu estava na lista dos homens que serviam para “ficar” como dizem hoje, mas não para casar.
Então já foste um “homem objeto”?
É mais ou menos isso… Como diz o meu neto, “fui” (expressão que o garoto usa para encerrar o assunto).
Haviam também familiares que não aceitavam?
Tinha um, mas logo acabamos ficando grandes amigos. O Hugo e a Carmem (sogros) e os filhos deles nunca deram importância, aliás, sempre foram meus aliados.
E, quando veio a gravidez da Lilian, havia algum temor devido ao parentesco de vocês dois?
Não, de nossa parte não havia. Até pelo contrário, sempre tive certeza que meus filhos seriam saudáveis exatamente por causa disso.
De onde vem o parentesco de vocês?
É duplo. A mãe do meu pai é Ferri. A mãe da Lilian é Ferri (Dona Carmem, viúva de Hugo Peretti, é irmã do escritor Gino Ferri). A mamãe da minha mãe é Peretti, é irmã do pai do meu sogro.
Caracas, a tua primeira namorada, era tua parente muito próxima?
Sim. Na época havia uma tendência, acho que eram poucas famílias, faltava gente mesmo!
E o casamento?
Meu casamento é uma maravilha. Adoro minha mulher, meus filhos e amo de paixão meu neto. Sou um homem feliz.
Como é a vida política do Cáli?
Já fui de esquerda. Quando era adolescente, eu, o Renor Lavratti (filho do ex-prefeito Ernesto Lavratti) e mais alguns amigos tínhamos um grupo de estudos. Líamos obras como O Capital (Karl Marx), analisávamos parágrafo por parágrafo, chegávamos às nossas conclusões que depois usávamos nos discursos que fazíamos na escola. Eu acreditava que os políticos existiam para fazer a boa política. Nem votava e usava no peito a vassourinha do Jânio Quadros, que iria varrer os corruptos do governo e fazer todas as reformas que precisavam ser feitas. Acreditei na revolução, acreditei no Collor, acreditei no Fernando Henrique e não acredito mais em ninguém.
Por que tanto descrédito?
Porque depois que assumem o governo, o interesse público vira interesse pessoal. Vaidades, poder pelo poder.
Mas tu assumiste o poder algumas vezes! Ocupou cargos importantes na gestão de três prefeitos?
E me decepcionei quando assumi mais recentemente. Na década de 60 era diferente.
Mas teu partido ainda é o PP ou está com um pé no PSDB?
Nem sei como ainda estou no PP, partido que, mais uma vez, se “acertou” com aquele que deveria ser o seu arqui-adversário. E, como posso ingressar no PSDB se o presidente nacional do partido já avisou que em 2010 vai votar no Ciro Gomes, o líder no senado passeia de avião com o Lula e em seguida dá declarações dizendo que o partido vai ajudar o presidente a governar porque sentiu que Lula mudou, que ele está sozinho? Convenhamos… acreditar nisso é, no mínimo, ingenuidade, para não dizer burrice. Como está sozinho se praticamente todos os partidos vão fazer parte do seu governo, e só para receberem cargos e favores?
Qual deve ser a postura de quem perde uma eleição?
Quem perde a eleição tem que ser oposição e ser oposição não significa que não se possa votar a favor de projetos de interesse público. Para fazer isso, não precisa ficar passeando de aviãozinho, como ficam aqueles quase 50% de cidadãos que votaram contra isso que está aí? Quem vai nos liderar? Então, não saio ainda do PP porque não tenho para onde ir…
Quem acompanhou tuas crônicas pelos jornais e agora no teu livro (Um Olhar Sobre o Cotidiano – 2006), percebe sua posição contrária a FHC e também ao Lula. E aí… “Se há governo, sou contra”?
Mas afinal, quem está contra? Pelo que se vê, está todo mundo a favor, até o povo, já que o prestígio do presidente é elevado, segundo as últimas pesquisas. Para os políticos em geral, não interessa o partido que está no governo. Não há ideologia nem ética, nem programa de governo a serem seguidos. O PT, que vendeu esta imagem durante 25 anos, rasgou a bandeira da ética ao chegar ao poder. Não é questão de ser do time do “contra”. Sou do tempo em que se lutava pelo que se acreditava, e sempre defendi os princípios de moral e ética, que têm que existir na administração pública. Infelizmente, nossos líderes têm nos deixado na mão. Nós brigamos para defender o que eles pregam e, na primeira oportunidade, eles se acertam lá em cima, fazem o contrário do que prometeram, e a gente fica aqui na base, com cara de idiota, enganados mais uma vez.
Para onde o Brasil está caminhando?
Não só o Brasil, mas toda a América Latina está caminhando para regimes ditatoriais de esquerda, disfarçados de democracia. Quase todos esses governantes estão tomando como parâmetro Cuba, Fidel Castro, e se continuar assim, vamos ter sérios problemas no futuro, porque ao invés de se integrarem na globalização do mundo, estamos caminhando na contramão da história, transformando nossos países em republiquetas fechadas, insignificantes economicamente. Pode não se gostar da globalização, mas me parece que isso é irreversível.
O que mais te angustia no Brasil de hoje?
Estão forçando uma divisão de classes, estamos nos transformando num País dividido entre negros e brancos, com terra e sem terra, com educação e sem educação, e isso pode causar, no futuro, uma guerra fratricida. Ao invés de assumir a culpa pela incapacidade do Estado de resolver os problemas que existem em todos os setores, até nos mínimos em que deveria atuar, como saúde, educação, segurança, eles transferem a culpa para as “elites”, para os ricos. No mundo inteiro existem, e sempre existirão, pobres e ricos. A solução para eliminar a miséria do mundo é que temos de criar condições para melhorar a vida dessas pessoas, começando pela educação. Mas não se resolve esse problema com paternalismo, distribuindo sacolas de comida. Isso só enfraquece a democracia.
O maior problema do Brasil vem da distribuição de renda?
O nosso baixo ritmo de desenvolvimento se deve à implementação de políticas errôneas desde o século XIX, como exemplo de algumas, a escravidão primeiro e depois a imigração em massa de pessoas vindas da Europa que aqui chegaram sem recursos e sem apoio do governo, embora as promessas que foram feitas. Isso resultou em salários reais que ficaram inalterados por quase um século. É daí que advém essa desastrosa distribuição de renda. Para se ter uma ideia, a diferença de renda per capita entre o Brasil e a América do Norte que em 1822 era de US 215 para US 196, ou seja, 1.1 para 1.0, na virada do século era de 5 para…
Neste caminho estaria ridicularizar o legislativo, (que já está acontecendo!) depois o judiciário e a imprensa. Seria a volta da ditadura legitimada pelo voto?
Sim, é exatamente isso. O projeto deles é desmoralizar os poderes legislativo, que se desmoraliza sozinho, nem precisa de ajuda, e o judiciário para que reste apenas um executivo, que possa ter o poder econômico absoluto, tomando para si o lugar dos demais. E será uma ditadura legitimada pelo voto popular. Agora começam a atacar a imprensa ainda livre. Existia até alguns meses atrás uma revista nacional de alto nível chamada Primeira Leitura, tida como de direita, claramente contra o governo. Seus proprietários foram forçados a fechá-la por falta de anúncios publicitários. Nenhum empresário brasileiro teve coragem de sustentar a revista, ou porque recebem favores ou por covardia. Se continuar assim, seremos reduzidos ao silêncio. Quando um poder pode tudo, as instituições são desmoralizadas e se enfraquecem, e aí já vivemos num regime ditatorial.
Vamos falar de política caseira. Foste secretário de duas administrações (Adilar Bertuol e Armando Reali 1966-1971 e Paulo Costi 2000-2001), além de ter sido secretário executivo da Câmara, concorreste a prefeito em 1987. Que marcas ficaram?
Adorei trabalhar com os prefeitos Adilar Bertuol e Armando Luiz Reali. A realidade era outra. Mas naquele tempo, apenas citando um exemplo, eu acumulava a função de secretário da Câmara, e me reunia com todos os vereadores, independente dos partidos, um ou dois dias antes de cada sessão, repassando a eles tudo que acontecia no executivo e explicava as razões dos projetos que estavam sendo encaminhados. Se sugeriam mudanças possíveis, elas eram feitas antes do projeto chegar à Câmara. No meu tempo de secretário, todos os projetos foram aprovados por unanimidade. Havia um contato direto do executivo com o legislativo que me parece não existir mais.
Por pouco mais de um ano, mais recentemente foste secretário outra vez. Não gostaste de trabalhar na gestão do Paulo Costi?
Os tempos são outros. O Paulo Costi é uma excelente pessoa, gosto muito dele. O problema não foi com ele, eu é que não tenho mais paciência. Hoje, a burocracia emperra a máquina pública, tudo demora. Sou do tempo que se decidia. Hoje se criam comissões, reuniões, conchavos, mas decisão e ação que é bom, vejo muito pouco.
E a tua candidatura a prefeito?
Foi uma grande experiência. Meu principal adversário (Luiz Pedro Dalla Lasta) acabou se tornando um grande amigo. Na verdade, só fiz amigos na política, sempre fui bem recebido em todos os lugares por onde passei.
Mas teve um episódio em que um político, durante aquela campanha eleitoral, disse “que não entregaria a Prefeitura para um aleijado”. Este episódio está superado?
Com certeza. Juscelino Kubitschek dizia uma frase que não esqueço: “Perdoe teus inimigos, mas nunca esqueça o nome deles”.
Como é o nome dele?
É para não esquecer, não para dizer. Aliás, esse mesmo político foi quem veio conversar comigo pedindo para que eu fosse o vice do Luiz Pedro Dalla Lasta. A ideia era acabar com as brigas políticas em Encantado, o que teria sido uma grande coisa. Hoje, Encantado poderia estar muito diferente se aquilo tivesse acontecido.
Mas há quem defenda que toda unanimidade é burra e que o consenso tira o direito de escolha!
Não é questão de unanimidade ou de consenso, também sou contra isso. O que se queria era unir as duas grandes forças políticas e econômicas da cidade, visando um projeto de desenvolvimento. Quanto aos partidos menores, lhes caberia o papel de ser oposição, no sentido de fiscalizar, berrar mesmo!
Naquele pleito existiam mais duas candidaturas, de partidos menores (PDT e PT) que foram excluídos, até porque só foram eleitos vereadores do PDS e do PMDB.
Não é questão de excluir. Como disse, sabemos pela história da cidade que aqui existiam esses dois grandes grupos econômicos antagônicos. Um puxava para o lado contrário do outro. Entendo que esta divisão atrasou muito o nosso desenvolvimento.
E o deles também… Já que esses dois grupos econômicos lamentavelmente, quebraram!
É verdade. E é uma pena. Se tivessem se unido no sentido de promover o desenvolvimento de Encantado, isso talvez não tivesse acontecido.
A terceira via continua sendo um sonho utópico?
Acho que não, até porque temos uma Câmara com vereadores eleitos por quatro partidos (PMDB, PP, PDT, PTB) e não de apenas dois, como era antes. Agora, sobre candidaturas postas, quem decide é o eleitor. A verdade é que os partidos, de forma especial os maiores, têm forte resistência em deixar crescer novas lideranças, especialmente jovens, que geralmente ficam fora do fechado círculo do comando partidário. Eles não gostam de perder poder, o comando.
E a máxima, “cada povo tem o governo que merece”?
É verdadeira. Mas é verdade também que, às vezes, o povo não merece o governo que tem.
Justiça, injustiça… E a carreira no Direito, o que tem de melhor e pior?
A profissão de advogado é lindíssima, envolve todos os campos da atividade intelectual como história, filosofia, psicologia, a própria literatura em geral, tudo pode ser aproveitado num processo. Gosto de advogar, mas ando desgostoso. O que está acontecendo é que a justiça brasileira continua lenta, burocratizada, ainda não está totalmente informatizada, os recursos jurídicos são inúmeros. Também culpo o grande número de leis. De tudo isso resulta a demora no julgamento dos processos. Isso é frustrante para quem gostaria de ver seus problemas resolvidos rapidamente. Quanto à carreira, está sendo aviltada em razão do número de faculdades de Direito que se cria nesse país, é uma vergonha. É só uma máquina para fazer dinheiro. Basta ver o desastroso resultado nos exames dos formados para ingressar na Ordem (OAB).
Nestes 35 anos mais ou menos em quantos processos atuaste?
Hoje temos, nos dois escritórios (o filho Fernando e a nora Mileide trabalham no escritório) cerca de oito mil processos. Devo ter atuado em mais de 30 mil.
Qual tua área preferida?
Gosto do direito civil, mas atuamos fortemente no tributário, bancário, trabalhista e previdenciário.
Crime nem pensar!
Foi uma opção no início da carreira não atuar no crime, até porque, na região, o crime não compensa (risos).
O Carlos Alberto Schäffer é uma pessoa que tem bom trânsito e amizades influentes. Isso ajuda?
Realmente tenho amigos que se tornaram importantes no decorrer do tempo. A maioria dessas amizades vem do tempo em que eles não “eram ninguém”. A mim não importa o poder ou a influência que eles possam ter hoje. Até porque, poder e influência é coisa que num determinado momento se tem, noutro não se tem mais. Tenho um respeito muito grande pelos meus amigos, preservo minhas amizades a qualquer custo, e nunca misturei amizade com qualquer outro interesse. Meus amigos são meus amigos sempre, estejam onde estiverem.
Você é padrinho do segundo casamento do Alexandre Garcia, tem estreita relação com o deputado Júlio Redecker e com o desembargador, presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Marco Antônio Barbosa Leal, a sua casa já recebeu vice-governador… Circulas bem entre os poderes.
Minha amizade com o Alexandre (jornalista da rede Globo) iniciou quando ele era meu professor no curso de técnico em contabilidade. Alguns anos atrás, estive hospedado na casa dele, em Brasília, quando fui fazer um exame no Sara Kubitschek. Na ocasião, recebi um telefonema do Júlio Redecker (deputado federal) reclamando que eu estava na cidade e não o havia avisado. Me perguntou o que eu ia fazer no dia seguinte e combinamos que o motorista do gabinete me buscaria às 8h30min para me levar ao médico, e depois conhecer o seu gabinete. No horário combinado, a secretária do Alexandre interrompe nosso café para dizer que o motorista estava aguardando. Meia hora depois, quando chegamos à porta, o Deputado estava esperando encostado no seu carro particular. O Alexandre reclamou pelo fato dele ter dito que era o motorista, ao que ele respondeu: “Quando o Cáli vem para Brasília, o motorista dele sou eu”. Isso é amizade pura.
Teus amigos estão em todas as camadas sociais. Tem os já citados, mas tem também o… e também os frequentadores do Bar da Ruti. Que tanto vocês falam no metro quadrado mais masculino do mundo?
Gostei da pergunta. Isso é a prova definitiva de que minhas amizades não estão atreladas aos cargos ou ao poder que os meus amigos detenham. Trato a todos da mesma forma, sejam pobres ou ricos, tenham poder ou não.
E o Bar da Ruti…
Sei que as mulheres pensam que quando a gente senta às mesas que estão na calçada é só para falar das que por ali passam, mas não é verdade (se fosse, seria só para elogiar, e qual mulher não gosta de ser admirada?). O bar é o melhor consultório psiquiátrico da cidade. Ali se pode até fumar, vejam só. O que me divirto com as brincadeiras e piadas que fazem e contam ali é para desopilar o fígado de qualquer mortal.