A palavra final
O decano e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) reagiram recentemente à aprovação de quatro projetos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. O Ministro Gilmar Mendes afirmou que “se a política voltou a respirar ares de normalidade, isso também se deve à atuação firme do STF”. Já o Ministro Luiz Roberto Barroso defendeu que não se deve mexer em instituições que funcionam bem e estão cumprindo seu papel.
Entre os projetos aprovados pela Comissão, está uma proposta de emenda constitucional (PEC) que restringe decisões individuais de ministros do STF que suspendam leis aprovadas pela maioria do Congresso. O projeto já havia sido aprovado no Senado por 52 a 18 votos e, na CCJ, obteve 38 votos a favor e 18 contrários. Outro projeto, aprovado por 32 a 12 votos, permite que dois terços da Câmara e do Senado possam suspender decisões do Supremo que, segundo o Legislativo, invadam sua competência.
Além disso, a CCJ começou a tramitar propostas que visam estabelecer novas hipóteses de crimes de responsabilidade para ministros do STF e que dão poder aos plenários das casas legislativas sobre a pauta, hoje decidida pelos presidentes. Ainda nesta semana, a Comissão deve avaliar a proposta de anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro. Enquanto isso, o PSOL e o Solidariedade já se posicionaram contra essas iniciativas e acionaram o Supremo para suspender a tramitação das PECs. A questão agora está nas mãos do relator Nunes Marques, o que gera dúvidas, já que o STF seria o sujeito diretamente afetado por essas propostas.
A discussão não se trata de uma simples disputa de poder. O Congresso, segundo seus defensores, não deseja julgar o Judiciário, mas, sim, resguardar suas prerrogativas legislativas. A Constituição, no artigo 49, determina que “é de competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes”. Além disso, o artigo 2º da Constituição coloca o Legislativo em primeiro lugar entre os poderes, pois é por meio dele que o povo exerce seu poder soberano. Deputados e senadores são eleitos para representar a diversidade geográfica, étnica, religiosa, e ideológica do país, enquanto o Judiciário, formado por especialistas com “notável saber jurídico”, tem um papel técnico de aplicar e interpretar a lei.
Os defensores das mudanças legislativas afirmam que buscam restaurar o equilíbrio entre os poderes, freando o ativismo judicial, que, segundo eles, tem prejudicado a legitimidade do Supremo. A fala de Barroso, em uma reunião da UNE, “Nós derrotamos o bolsonarismo”, é frequentemente citada como exemplo desse suposto ativismo político do Judiciário. Gilmar Mendes, em sua fala, também relaciona a atuação do STF à política.
Quando tomou posse na presidência do STF, em 2020, o ministro Luiz Fux já havia alertado sobre esse problema: “Assistimos, cotidianamente, o Poder Judiciário ser instado a decidir questões para as quais não dispõe de capacidade institucional…Essa prática tem exposto o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, a um protagonismo deletério”. Esse protagonismo, de fato, tem causado preocupações não só para a instituição, mas também para os próprios ministros, que já não conseguem circular livremente por conta das tensões políticas e sociais.
Estamos vivendo tempos complexos, em que as garantias constitucionais parecem frágeis e o arbítrio gera incertezas. As prerrogativas dos nossos representantes, que são também as nossas enquanto cidadãos, não estão sendo respeitadas. O Supremo Tribunal Federal, que deveria ser o guardião da Constituição, está assumindo um papel de tutor da nação, como já foi afirmado pelo ministro Dias Toffoli, que declarou “nós somos os editores de um país inteiro”. Esse, no entanto, não é o papel que a Constituição atribui ao Supremo. O Congresso, como a casa dos representantes do povo, deveria ter a palavra final em questões que afetam diretamente a nação.