Por Carlos Alberto Schäffer
Deveria ter sido um Dia dos Pais maravilhoso. Um sol espetacular iluminava tudo. O céu azul parecia um mar suspenso no firmamento. Os passarinhos esvoaçavam pelo pátio, pousavam nas árvores que o circundam, e seu canto dava vida ao jardim.
Todos os anos, nesta data, meus filhos fazem um churrasco aqui em casa. Trazem os netos, que jogam bola, usam os balanços pendurados nos galhos da figueira, e fazem uma algazarra danada.
Deveria ter sido um belo Dia dos Pais, mas não foi.
Por culpa do vírus chinês ninguém apareceu, e o que deveria ter sido um dia de festa se transformou numa volta ao passado.
Pela milésima vez a Lilian me perguntou por onde andava o pai dela que não a visita mais, e pela milésima vez tive que lhe dar a resposta que não queria dar.
Afora o canto dos passarinhos o silêncio era quase absoluto. Peguei um livro e fui para o jardim. Sob uma árvore tentei ler, mas não consegui. De repente, ouvi o barulho de um carro chegando e meu pai descendo dele.
– Ué pai, tu por aqui?
– Te vi aí sozinho e vim te fazer companhia.
Meu pai era um homem magro, rosto afilado, cabelos crespos, e tinha dois olhos azuis que brilhavam como diamantes. Sofreu a vida inteira de bronquite crônica. Certa feita foi ao hospital de Roca Sales para fazer um pneumotórax e teve um pulmão furado no procedimento. Foi declarado morto e até coberto com um lençol. Avisaram minha mãe para levar a roupa e vesti-lo para o velório. Quando ela chegou lá ele tinha ”ressuscitado”. Era um forte.
Era um homem tranquilo, falava e sorria pouco. Mas as vezes era um piadista.
– Vi que estavas pensando naquele dia em que eu morri e ressuscitei. Conheces a vida do poeta Manuel Bandeira. Doente desde jovem de tuberculose havia sido desenganado pelos médicos. Certo dia foi fazer uma consulta e com a resposta do médico ele criou um poema que ficou assim:
– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
– E ele morreu com 82 anos. Isso aí quase aconteceu comigo.
No dia em que morreste, pai, dezessete dias antes do Natal de 1989, apareceu no Hospital um padre desconhecido, que entrou no quarto falando alto, dizendo que estava ali para te dar a extrema unção. Fiquei indignado e por pouco não mandei que se retirasse. Mas tu, num sussurro, resolveu o problema dizendo para ele:
– Eu só me confesso com o padre Aroldo – Naquelas circunstâncias me impressionou a tua diplomacia
Eu poderia ficar aqui lembrando de uma porção de coisas boas, tristes, alegres que vivemos juntos, de frases tuas, como aquela que me deixaste num bilhete que ainda que tenho guardado na gaveta do bidê do meu quarto:
Quando não souberes o que vais dizer não diga nada.
Ah, pai, como eu gostaria de sentar contigo na área da tua casa para tomar aquele uisquinho básico nos fins de tarde. Faz trinta e um anos que não comemoramos mais, juntos, o Dia dos Pais. Nós não éramos parecidos fisicamente. Eu puxava mais pela mãe. Mas estás tão presente na minha vida e nos meus pensamentos que quando me olho no espelho me parece que eu sou tu.
Embora a saudade que sinto penso que isto não deve mais me preocupar muito. Hoje estou me aproximando de ti mais do que de mim mesmo. Embora eu tenha sérias dúvidas, se for verdade o que dizem não demora muito para a gente se encontrar de novo. Se for verdade, escolhe um lugar aí para a gente sentar e bater aquele papo como fazíamos antigamente.
E obrigado por teres vindo me fazer companhia neste solitário Dia dos Pais.
Carlos Alberto Schäffer