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Morre o advogado e escritor Carlos Alberto Schäffer, o Cali, aos 80 anos

Morreu na manhã desta segunda-feira (23), aos 80 anos, o advogado e colunista do Jornal Força do Vale, Carlos Alberto Schäffer, o Cali, como era conhecido. 

Ele sofreu um acidente doméstico na última sexta-feira, 13, o que resultou em um hematoma subdural, um acúmulo de sangue entre o cérebro e a membrana que cobre o órgão, proveniente da lesão, necessitando de uma cirurgia de grande porte para drenar o líquido, realizada no Hospital Bruno Born, em Lajeado. Desde lá, esteve sob cuidados intensivos no HBB.

Despedida

O velório de Carlos Alberto Schäffer acontece nesta terça-feira (24 de dezembro) na Casa de Cultura de Encantado, das 6h às 11h. Depois, o sepultamento será realizado no Cemitério Santo Antão, na mesma cidade.
 
Em virtude do acidente doméstico, foi necessária a realização de autópsia pelo Instituto Médico Legal (IML) de Lajeado, conforme exige a legislação, motivo pelo qual o velório será realizado amanhã, dia 24.

Casado com Lilian Maria Peretti (in memoriam), teve três filhos: Fernando, Rafael e Maurício e quatro netos.

Reprodução/MAIS CI

Cali possuía uma vasta biblioteca com mais de 2.300 volumes em sua casa. Dono de uma inteligência brilhante e uma memória invejável, ele dominava a arte de traçar paralelos entre literatura, história e a atualidade, sempre com um olhar crítico e perspicaz sobre o cotidiano.

Em respeito e gratidão, dedicamos este espaço para relembrar a vida e o legado de Carlos Alberto Schäffer, cuja sabedoria e generosidade enriqueceram a todos nós.

 


Uma trajetória de superação e legado

Advogado de renome, líder comunitário e intelectual, Carlos Alberto Schäffer é um nome que carrega décadas de história, ética e contribuições marcantes para o Vale do Taquari e além. Dono de uma trajetória de superação, dedicação e compromisso com a sociedade, o advogado nasceu em 5 de junho de 1944, em Encantado. 

Cali, como era conhecido, contraiu poliomielite, a paralisia infantil, na infância, mas a limitação física, como sempre fez questão de frisar, nunca lhe definiram.

Nos idos dos anos 60, foi professor de História Econômica do Brasil no Colégio São Pedro, em Encantado, após ter sido aluno de Alexandre Garcia – originando a amizade que cultivou até os últimos dias de vida. Também lecionou aulas de francês no Ginásio Estadual.

Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Passo Fundo, em 1971, e fundou o Schäffer Advogados, que se tornaria um dos mais respeitados escritórios jurídicos da região. 

Advogado de renome

Edificou uma sólida carreira na advocacia, sendo figura importante na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS): foi presidente da Subsecção de Lajeado da OAB por dois mandatos consecutivos, de 1987 a 1991; membro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-RS, de 1995 a 1997 e em 1998. Detentor dos reconhecimentos máximos da advocacia gaúcha, recebeu a Comenda Osvaldo Vergara em 1995 e a Medalha Leonardo Macedônia em 2009.

Com mais de 2 mil processos somente em seu escritório, atuou em mais de 8 mil casos. Também foi assessor jurídico em Encantado e procurador em Lajeado, Estrela e Arroio do Meio, além de advogado credenciado de importantes instituições financeiras, como os bancos Itaú, Meridional e a Cia União de Seguros.

Afora a atuação jurídica, foi também líder comunitário, político e figura cultural: iniciou na política pelo Legislativo, concorrendo ao cargo de vereador em 1968 pela Arena, onde posteriormente foi secretário executivo. No Executivo, foi secretário de administração na gestão de Adilar Bertuol (1966-1971), candidato a prefeito de Encantado em 1987 pelo PDS e secretário de Indústria, Comércio e Turismo na gestão de Paulo Costi (2000-2001). Presidiu o Clube Recreativo Encantado (CRE) e o Clube Comercial de Encantado, promovendo eventos e iniciativas sociais. 

O primeiro livro de Cali, “Um Olhar sobre o cotidiano”, foi publicado em dezembro de 2006, editado pelo Força do Vale

Dono de uma bagagem intelectual impecável, Cali era membro da Alivat, a Academia Literária do Vale do Taquari, desde 2011, sendo titular da cadeira de número 17. Autor de ‘Um Olhar Sobre o Cotidiano’, seu primeiro livro, editado e publicado pelo Força do Vale, em 2006, onde atuou como colunista desde fevereiro de 2022.

A última crônica foi para Lilian, seu grande amor

Cali sempre fez questão de declarar seu amor pela esposa Lilian, falecida em fevereiro do ano passado. Esse sentimento transbordou em suas crônicas e entrevistas e, quis o destino que sua última crônica publicada fosse dedicada à ela: “Para Lilian, onde estiver”, foi um tributo à companheira que ele sempre colocou como a razão de suas conquistas e da sua força.

Em suas entrevistas, Cali frequentemente destacava a importância de Lilian em sua trajetória:

“Ela me transformou no homem que sou. Por sua causa, encontrei sentido para a vida e forças para superar os desafios.” 

Essa admiração se refletia em suas crônicas, onde ele a descrevia como a protagonista de suas maiores realizações. Cali não economizava palavras ao relembrar momentos compartilhados: no último, revisitou memórias ao som de Delírio, de Luis Miguel. “Se por um lado senti enorme saudade pela perda da mulher que amei e ainda amo, por outro recordei os momentos de felicidade de ter convivido com ela. O tempo não apaga as lembranças; ele apenas nos ensina a conviver com a ausência.”

O advogado já havia dedicado outras crônicas a Lilian. Em uma delas, escreveu: “Por tua causa, fui mais do que pensei ser capaz. Tu me deste força para enfrentar medos e realizar sonhos.”

Entrevista à Visual, dezembro de 2006

Alexandre Garcia era leitor assíduo das colunas de Cali, e fazia questão de as ler na edição física do Força do Vale, enviada semanalmente à Brasília. Por diversas vezes compartilhou trechos com seus seguidores nas redes sociais

Como escreveu seu grande Alexandre Garcia em novembro de 2006, quando da entrevista de Cali à Visual, “Cali é um perguntador e um caçador de respostas. Sei disso porque o conheci como meu aluno e depois saímos juntos pela vida a procurar razões de tudo. De inteligência brilhante, porque sempre curiosa e insatisfeita. Cali nos dá o privilégio de suas estocadas, com as esporas de seu cérebro desafiador, cada vez que expõe no papel a sua busca da Razão e da Justiça. Democrata por essência. Culto por muito suor, inteligente por opção e trabalho. Ético por formação. E a companhia ideal para quem queira crescer com prazer intelectual. Seu mundo poderia ter sido o mundo. Ele preferiu ser universal na margem direita do Taquari.”

Leia a entrevista completa clicando na imagem

Da entrevista, que você pode ler completa clicando aqui, separamos algumas passagens marcantes de sua vida pessoal, trajetória política e reflexões incisivas sobre o cenário da época, mas muito atuais. 

 

A infância e o impacto da poliomielite: “Meus pais sempre me trataram como se eu não tivesse limitação alguma. Não me davam facilidades. Me tratavam como um menino normal. […] Certamente foi por isso que nunca senti diferença. Sempre trabalhei, estudei e brinquei com os meus amigos normalmente, como se essa dificuldade não existisse.”

As aventuras de criança: “Todas as malandragens que os meninos da minha idade faziam. Andar pelos morros caçando passarinhos, descendo lombas com carrinhos. Tomar banho no ‘buião’, um poço no Arroio Lambari. Era o máximo!”

A paixão pelos livros: “Tenho muito orgulho da minha biblioteca. Só na de casa são mais de 2.300 volumes. Aprendi a gostar de ler com meus pais. Comecei com gibis e depois mergulhei em Monteiro Lobato, Tarzan e Edgar Allan Poe. A leitura é minha grande paixão até hoje.”

A filosofia de vida: “Com sete anos, rezava pedindo que Deus me curasse. Ele nunca ouviu minhas preces. Mais tarde li Fausto, de Goethe, e fiz mais uma tentativa. Também não deu certo. Aí desisti. Só acredito nas minhas potencialidades.”

Sobre Lilian, sua grande paixão e companheira de vida: “Quando começou o namoro com a Lilian, foi outra ‘bomba na high society’, afinal, éramos primos, e como dizem os poetas, amor de primo é para a vida inteira. […] Lilian, eu te amo! Pelo que ela foi e pelo que ela é para mim. Pode escrever: ganhei meu amor eterno.”

Da juventude à maturidade crítica: “Já fui de esquerda. Na adolescência, eu e alguns amigos estudávamos O Capital, de Karl Marx, parágrafo por parágrafo. Acreditei no Jânio, no Collor, no Fernando Henrique… e não acredito mais em ninguém. Depois que assumem, o interesse público vira vaidade e poder pelo poder.”

Sobre Lula e a desilusão com a política: “O PT vendeu a imagem da ética por 25 anos e rasgou essa bandeira ao chegar ao poder. Não é questão de ser ‘do contra’. Sou do tempo em que se lutava pelo que acreditávamos. Hoje, brigamos por princípios, e os líderes nos deixam na mão, fazendo o contrário do que prometeram.”

Sua inteligência política: “A política é um jogo de vaidades. Quem perde uma eleição deve ser oposição, mas isso não significa votar contra tudo. É preciso um equilíbrio, pensar no que é bom para o público, não para si mesmo. […] Quando todos estão a favor de um governo, algo está errado.”

Sobre os desafios do Brasil: “A política brasileira caminha para regimes ditatoriais de esquerda disfarçados de democracia. Estão desmoralizando o Legislativo e o Judiciário para que reste apenas um Executivo com poder absoluto. É uma ditadura legitimada pelo voto popular. […] Quando um poder pode tudo, as instituições enfraquecem, e a democracia se transforma em fachada.”

Sobre paradigmas: “Não só o Brasil, mas toda a América Latina está indo na contramão da história, transformando-se em republiquetas fechadas e insignificantes economicamente. Pode não se gostar da globalização, mas ela é irreversível. Enquanto nos prendermos a velhos paradigmas, continuaremos atrasados.”

Divisão de classes: “O Brasil está sendo dividido entre negros e brancos, com terra e sem terra, com educação e sem educação. Ao invés de assumir a incapacidade do Estado, culpam as ‘elites’ e os ricos. A solução para a pobreza não é paternalismo ou sacolas de comida, mas criar condições para o desenvolvimento, começando pela educação.”

Sobre ser oposição: “Quem perde uma eleição deve ser oposição. E ser oposição não é votar contra tudo, mas fiscalizar e propor alternativas. O problema é que hoje ninguém quer ser oposição de verdade. Prefere-se o conforto das benesses do poder a lutar pelo interesse público.”

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