Os bons escritores conseguem inserir em suas obras fatos que acontecem na vida real. Machado de Assis, o maior escritor brasileiro de todos os tempos é um deles.
No conto que leva o título deste artigo, não lembro o ano em que foi escrito, mas faz muito tempo, ele conta a história de um sujeito que havia sido jurado. Salvo em dois casos, sempre absolvia os réus porque pensava naquele preceito do Evangelho que diz: “Não queiras julgar para que não sejais julgados”. Também porque alguns processos eram muito mal feitos. Então ele absolvia.
O primeiro réu que ele condenou era um moço limpo, acusado de haver furtado uma quantia insignificante, com falsificação de um papel, para atender a uma necessidade urgente. Não negou o fato. Sua aparência era a de um homem triste, de olhos mortos, de uma palidez que metia pena, como a de um arrependido pelo crime que cometera. O debate entre o promotor e a defesa foi brilhante. O promotor viu nessa expressão do rosto a confissão do crime. O defensor mostrou que o abatimento e a palidez significavam a lástima da inocência.
Um dos jurados, gordo e ruivo, chamado Lopes, era o mais veemente. Insistia na condenação e dizia: É culpado e deve ser condenado. Mesmo que por uma insignificância (duzentos mil réis). Quer sujar-se? Suje-se gordo! E o resultado foi pela condenação. Tempo depois, esse personagem foi convocado para novos júris. Um deles era o do caixa do Banco do Trabalho Honrado, acusado de um desvio de dinheiro (cento e dez contos de réis), uma quantia elevada. Quando o acusado se sentou no banco dos réus o jurado verificou que se tratava do mesmo colega daquele julgamento que acontecera anos antes, que com veemência insistira na condenação do rapaz.
Lopes nega com firmeza tudo o que lhe era perguntado ou respondia de maneira que trazia complicações para o processo.
Circulava os olhos pela sala sem medo nem ansiedade, até com uma pontinha de riso na boca. E o Lopes estava ali, com o rosto alto, mirando o escrivão, o juiz, o teto e as pessoas que iam julgá-lo, absolutamente tranquilo. Para encurtar a história, foi absolvido.
Hoje, no Brasil, as coisas continuam mais ou menos assim. Alguns são condenados até por crimes que não cometeram, ou nem existem. Outros, que roubaram bilhões, andam por aí, pelas ruas, livres e despreocupados, como se crime algum tivessem cometido.
Em alguns tribunais brasileiros parece prevalecer ainda hoje e mais do que nunca a tese contida no conto de Machado Assis: Se for sujar-se, suje-se gordo. É lamentável.