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Depois dos 50 anos, Nilza Marques aprende a escrever e ganha o 1º lugar no concurso de poesia

Nilza acredita que a idade não muda nada quando há força de vontade para aprender. Foto: Alvaro Pegoraro/Folha do Mate

Ela é uma pessoa discreta, nunca havia saído nas páginas de um jornal e, muito menos imaginava que a sua poesia conquistaria o primeiro lugar no 12º Concurso Literário de Venâncio Aires, que ocorreu durante a 22ª Feira do Livro. Vinda de uma família humilde, de Rincão de Nossa Senhora, em Passo do Sobrado, Nilza Marques, 54 anos, não precisou usar palavras difíceis para conquistar a primeira colocação no concurso de poesia.

Através das singelas palavras, ela descreveu a sua história de vida e comoveu os avaliadores, que desde que ouviram as primeiras linhas, já perceberam que Nilza já era uma vencedora, não só do concurso, mas da vida.

A aluna da turma da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Dois Irmãos, soube que havia ganhado o concurso por meio da professora Silvania Carvalho, que ajudou Nilza a escrever a poesia e foi uma das principais incentivadoras da aluna no processo de alfabetização.

“A professora sempre me disse que eu teria chances de ganhar, mas eu queria tirar o segundo lugar para não ser a primeira a ser chamada”, brinca.

Para ela, conquistar este resultado vai além do que ganhar um troféu. “Fiquei muito orgulhosa com o resultado, eu não esperava, foi uma emoção muito grande. Eu nunca tinha participado de algo assim e quando ouvi o meu nome, me senti uma pessoa útil e valorizada, foi muito gratificante”, afirma Nilza, que está em processo de alfabetização há 5 anos.

Desde que decidiu voltar a estudar, ela comemora as coisas boas que ocorreram na sua vida. “A escola me abriu um novo horizonte, é como se eu tivesse dado o primeiro passo na vida agora. Desde que aprendi a escrever consigo ler jornal, escrever recados no trabalho e mensagens de WhatsApp. A gente quando não sabe ler tem olhos, mas não consegue ver. Tudo o que aprendi é algo muito especial, que ninguém vai me tirar. Me sinto como se eu tivesse uns 15 anos”, resume Nilza.

Segundo ela, o momento de receber o troféu seria ainda melhor se a família estivesse presente e a ex-patroa, Almira Sulzbach, que foi a maior incentivadora deste sonho e que, agora, está morando no asilo. Mesmo assim, Nilza é o orgulho da família e do filho, Renato Marques, 25 anos. Além disso, é considerada um exemplo para os oito irmãos, já que, alguns deles, ainda não são alfabetizados.

O desejo de aprender a ler e escrever

Nilza Marques saiu de casa, em Rincão de Nossa Senhora, interior de Passo do Sobrado, aos 12 anos. O primeiro emprego foi em uma casa de família, em Santa Cruz do Sul, onde trabalhava como babá.

Aos 16 anos, se mudou para Venâncio Aires para atuar como faxineira e cozinheira. Vinda de uma família humilde, de oito irmãos, ela teve a determinação de sair da roça para encontrar uma nova oportunidade e proporcionar uma melhor qualidade de vida aos pais, plantadores de tabaco.

Com quase 50 anos, ela foi incentivada pela ex-patroa Almira Sulzbach e pelo filho, Renato Marques, a retornar à escola para aprender a ler e escrever.

“Eles queriam me ensinar em casa, mas não deu muito certo. O sonho da dona Almira era que eu, um dia, viajasse no mundo da leitura, algo que eu estou conseguindo alcançar agora. Apesar do incentivo, eu não encontrava tempo e tinha muita vergonha de chegar na escola e dizer aos outros que não sabia ler nem escrever”, recorda Nilza.

Desde que começou a trabalhar no laboratório Gassen, em Venâncio Aires, ela foi mudando de opinião e decidiu ir à escola, com quase 50 anos. “Também fui muito incentivada no meu novo emprego. Eles trocaram o meu horário de trabalho para que eu tivesse tempo de ir para a escola”, afirma a moradora do bairro Cidade Nova, que há aproximadamente três anos, concilia os estudos com o trabalho.

Apesar das dificuldades de aprendizado, ela nunca desistiu do objetivo. “Não dá para ter vergonha. Vergonha é não saber ler e nem escrever. É preciso ter ânimo e coragem, porque nunca é tarde para aprender. A idade não muda nada”, afirma a estudante, que encontrou dificuldades no início da alfabetização mas, que com o apoio dos colegas e professores conseguiu vencer os desafios.

“Nunca sofri nenhum preconceito na escola, pelo contrário, fui sempre muito bem recebida. Às vezes, chego cansada, mas é um cansaço bom, me sinto alegre e motivada”, comenta.

De acordo com a professora, Silvania Carvalho, Nilz é uma aluna muito aplicada, não falta um dia. “No primeiro dia de aula presencial em maio dona Nilza disse que o sonho dela era ler a Bíblia. Foi então que inicinei sua alfabetização com a palavra Bíblia. Partindo daí fomos trabalhando com os discípulos de Jesus, jogos, e dona Nilza iniciou sua construção da leitura”, relembra a professora.

Silvania observa que, a força de vontade dela aliada ao desejo, fez com que a cada dia vem alcançando seu objetivo maior e superando suas dificuldades. “Dona Nilza é um exemplo de superação. A cada leitura, a cada descoberta vibramos muito. Vem mudando a história de sua vida. E quanto a mim como professora, sinto-me extremamente feliz e com a sensação de dever cumprido na emancipação do cidadão”, comemora a professora.

Recomeçar

Meu nome é Nilza, minha história vou contar
Com 7 anos apenas , comecei a trabalhar
Isso me afastou da escola e não pude mais estudar.
Por ser de família humilde, aos 12 anos fui trabalhar
Em uma casa de família, como babá.
Por sair cedo da escola
Não aprendi a ler
Cresci, e meu sonho
Achava que não ia acontecer
Foi então que um certo dia
Em uma casa fui trabalhar
Por não saber assinar meu nome
Minha patroa quis me ensinar
Apesar de ser difícil
Tinha vontade estudar
Meu horário não fechava
Por isso ficava à esperar
Até que um certo dia
Meu horário mudou
Fui na escola dois irmãos
E a vice diretora me matriculou
Apartir daquele dia
Minha vida mudou
Estou aprendendo a ler
E a escrever como sou
Hoje leio bíblia
Faço nota do mercado
Leio o preço das coisas
E tudo se transformou
Tenho certeza que ainda, muito vou aprender
Tenho 54 anos, muitos livros quero ler
Como diz nosso poeta, nunca é tarde para aprender.
Ouvi poemas de bráulio bessa
Que a professora levou
Vi que a leitura aproxima
E isso me motivou.

Nilza Marques

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