“Ninguém sabe a solidão de um sábado e de um domingo sozinha na estrada; poucos sabem o que é passar um aniversário sozinho, sem o abraço de alguém conhecido, de quem realmente queríamos ganhar; ou passar um Natal e uma virada de ano sozinha num pátio de posto de combustível, ou querer tomar um bom banho para depois descansar e se deparar com um banheiro imundo; quem não conhece a realidade da estrada pensa que é tudo mil maravilhas.”
O depoimento de Gabriela Baldasso é sobre quem faz o dia a dia na estrada, a bordo da boleia de um caminhão. O depoimento dela ganha as vozes de outras tantas mulheres caminhoneiras, de diferentes cidades, que trabalham em diferentes rotas com destinos distintos. Mas há muito em comum entre elas.
“Tem as partes boas, conhecemos muitas pessoas, tiramos da estrada muita amizade verdadeira, estamos sempre em lugares e paisagens diferentes, basta apreciar”, é o recado.
Da Santa Clara (bairro de Encantado) para as estradas gaúchas, Ariete Daltoé (43) ainda custa a acreditar que finalmente realizou o tão aguardado e muitas vezes desviado sonho.
“Às vezes olho no retrovisor e custo acreditar que estou guiando um caminhão desse tamanho.”
Ela é motorista carreteira de lácteos (tanque), contratada pela empresa Baldasso, de Carlos Barbosa. A maratona para chegar nessa fase profissional foi desafiadora, sendo necessário quebrar paradigmas impostos muitas vezes por ela mesma.
Filha de pai motorista, Ariete demorou em “se encontrar” na profissão.
“Meu sonho era ser chofer, mas a cultura e as adversidades do caminho não me permitiram antes.”
Atuou na política, cursou Direito, gosta da Enfermagem, foi agente de saúde e tantos outros caminhos até mudar o rumo profissional migrando sua carteira de habilitação para a categoria D.
“Em 2018 dei um importante passo, e fui motorista de ônibus por quase dois anos; alterei novamente para categoria E, e antes mesmo de concluir as provas eu já tinha vaga da carreta me esperando, mas ainda assim eu não estava tranquila; não basta sonhar, querer e batalhar pelos seus sonhos, é preciso ter coragem de assumi-lo quando a oportunidade chegar, e essa parte também foi desafiadora”, recorda.
Ariete se refere ao fato de a estrada exigir a ausência de casa, da rotina doméstica e especialmente do convívio com os filhos. Mãe do Henrique (já adulto e casado), Ariete preocupava-se com o bem estar do filho Yuri (14), mas o apoio da mãe Adereida lhe deu o suporte necessário para que ela dissesse “sim” ao momento de realizar seu sonho profissional. E a recompensa vem com o testemunho deles.
“Quando ouço meus filhos falarem sobre o quanto se orgulham de mim pela minha profissão, isso enche meu peito de alegria, de gratidão a Deus pelas oportunidades, pela minha família e pelas pessoas que me apoiaram, inclusive pelas que duvidaram, pois eu caprichei mais ainda.”
Mulher motorista de carreta tanque são poucas. De acordo com Ariete, no Vale do Taquari são três. “Amo minha profissão; sou feliz na minha casinha de lata”, brinca.
O dia a dia das mulheres na estrada é registrado nas redes sociais. Ariete integra um grupo no Facebook e Instagram chamado “Amigas Caminhoneiras” (#gac), onde elas abordam as alegrias e frustrações da estrada, cada qual no seu caminho. “São 16 motoristas mulheres do RS, mas algumas fazem Mercosul e outras regiões do Brasil.”
As parcerias de estradas são muitas. Ariete destaca Rejane Postingher, colega na Baldasso. Natural de Roca Sales, atualmente reside em Garibaldi. Motorista há 25 anos, diz que no caminhão teve a oportunidade de conhecer boa parte do Brasil.
“Tenho muito orgulho de fazer parte dessa classe, que com muito esforço e dedicação sempre está na luta por dias melhores.”
Os amuletos para enfrentar as dificuldades são a proteção de Deus e a foto da família no painel do caminhão. Outra colega de profissão, a Josiane, de Lajeado, reitera:
“Jamais desista porque é difícil; todo esforço vale a pena”, é o recado dela para todos os objetivos, de quem quer que seja.
Andressa Bocchi Borniatti é formada em Enfermagem, mas há sete anos é caminhoneira, dividindo a boleia com seu pai.
“Tenho muito orgulho da profissão que escolhi e da profissional que me tornei; sou feliz, faço o que gosto e ainda ajudo meu pai na administração da empresa.”
Fernanda Corrêa (34) trabalha com o marido puxando grama para atender a demanda do Vale do Taquari. Hoje desfruta da companhia da família e dos amigos porque estão em casa nos finais de semana, mas já abriram mão disso num passado recente. “Tive que abrir mão de muitas coisas para chegar aonde cheguei; a vida na estrada é realmente para quem tem amor à profissão, pois é uma vida solitária e cheia de desafios diários.”
Por Livia Oselame