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Réus por incêndio na boate Kiss começam a ser julgados na quarta-feira

Foto: (Wilson Dias/Agência Brasil/Arquivo)

Depois de oito anos e dez meses, começa nesta quarta-feira (1), o júri popular de quatro acusados pelo incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 27 de janeiro de 2013.

Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr (proprietários do estabelecimento), Marcelo de Jesus, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, e o produtor Luciano Bonilha, responsáveis pela apresentação pirotécnica, respondem pela morte de 242 pessoas e por 636 tentativas de homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco de matar.

Entre os motivos da demora está a mudança na cidade do julgamento, as defesas de três dos quatro réus conseguiram a transferência para Porto Alegre por falta de segurança e eventual parcialidade.

O Ministério Público tentou reverter a decisão, sem sucesso. Para evitar que houvessem dois júris, os promotores pediram então que o quarto acusado também fosse julgado na capital.

O caso deve ter o julgamento mais longo da história do judiciário gaúcho: defesa e acusação estimam duração de 15 dias. Serão ouvidas 14 vítimas, 19 testemunhas, além dos réus. As testemunhas devem ficar isoladas até o dia do depoimento, enquanto os jurados precisam ficar incomunicáveis durante todo o período do júri.

A tragédia

Era para ser uma noite de alegria. A festa “Agromerados” marcaria a formatura de cursos como Agronomia, Veterinária e outros, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Mas o que aconteceu foi uma tragédia, uma das maiores da história recente do país.

No dia 27 de janeiro de 2013, a Boate Kiss, casa noturna localizada na Rua dos Andradas, no centro da cidade de Santa Maria, recebeu centenas de jovens para a comemoração. No palco, dois shows ao vivo. O primeiro, de uma banda de rock. Depois, foi a vez dos rapazes da banda Gurizada Fandangueira, de sertanejo universitário. A casa estava lotada: entre 800 e mil pessoas. A boate tinha capacidade para 690 pessoas.

Segundo contou na época o guitarrista da banda Rodrigo Lemos, o fogo começou depois que um sinalizador foi aceso. Ele disse que os colegas de banda logo tentaram apagar o incêndio, mas o extintor não teria funcionado. Um dos componentes da banda, o gaiteiro Danilo Jaques, morreu no local.

Naquele dia, as faíscas atingiram o teto revestido de espuma. Em instantes o fogo se espalhou pela pista de dança e logo tomou todo o interior da boate. De acordo com os bombeiros, a fumaça altamente tóxica e de cheiro forte provocou pânico. Aí começou a tragédia.

Ainda sem saberem do que se tratava, seguranças tentaram impedir a saída antes do pagamento. Houve empurra-empurra. Alguns conseguiram deixar o local. Muitos que não conseguiram, desmaiaram, intoxicados pela fumaça. Outros procuraram os banheiros para escapar ou buscar uma entrada de ar e acabaram morrendo. Segundo peritos, o sistema de ar condicionado ajudou a espalhar a fumaça. Além disso, um curto-circuito provocado pelo incêndio causou uma explosão. Morreram 240 pessoas

Na rede social, uma das sobreviventes, Suzielle Requia, conta como conseguiu escapar da morte. Resgatada com ajuda de um amigo, ela ficou hospitalizada por dois dias, porque sentia muita falta de ar:

“Eu ouvi um grito de uma menina: ‘abre, abre, a Kiss está pegando fogo’. Quando eu olhei para o palco, eu vi um clarão. Eu olhei para o meu amigo e disse: ‘a Kiss está realmente pegando fogo’. E nisso ele agarrou a minha mão e me puxou. Mas eu me perdi dele, porque a fumaça já tinha tomado conta da Kiss. Eu não enxergava um palmo na frente do nariz. Até eu me bati na primeira grade, consegui pular aquela grade e caí para fora da boate. Eu desmaiei”.

A terapeuta ocupacional Kelen Ferreira sobreviveu com sequelas graves. Ela perdeu o pé direito, teve queimaduras em 20% do corpo e ainda faz tratamento pulmonar:

“Eu fiquei 78 dias internada no Hospital das Clínicas de Porto Alegre. Quinze dias eu fiquei em coma induzido, mais nove na UTI, que totalizaram 24, e 54 dias no quarto. Eu revivo o 27 de janeiro todos os dias”.

A perícia policial apontou que uma combinação provocou a tragédia: o material empregado para isolamento acústico (com a espuma irregular), associado ao uso de sinalizador em ambiente fechado, a saída única, as falhas no extintor e a exaustão de ar inadequada. Associado a tudo isso, o indício de superlotação.

O caso comoveu o país inteiro e provocou debates sobre a segurança de casas noturnas e locais de grande aglomeração de pessoas.

Ainda em 2013, o governo do Rio Grande do Sul publicou a Lei Kiss, que estabelece normas sobre segurança, prevenção e proteção contra incêndios nas edificações e áreas de risco de incêndios no estado. O exemplo foi seguido por várias outras cidades. Uma audiência pública no Senado debateu a legislação de prevenção e combate de incêndios no Brasil.

Em fevereiro de 2013, foi criada a Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, com mais de 28 mil assinaturas, pedindo apoio do Ministério Público para a busca de justiça.

Em março daquele ano, foram presos preventivamente quatro investigados. Os réus são os sócios da Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentou naquela noite, Marcelo de Jesus dos Santos; e o produtor musical Luciano Bonilha Leão.

 

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