Estima-se que um em cada 100 mil bebês nascerão com a epispádia: uma malformação, mais comum nos meninos, na qual a uretra se abre na face dorsal do pênis, podendo levar à perda do controle urinário. Além disso, geralmente está associada à extrofia vesical, caracterizada pela exposição da bexiga para fora do abdome.
É uma condição delicada que exige procedimentos cirúrgicos e pós-operatórios altamente especializados. Criada há mais de 50 anos pelo urologista australiano Justin Kelly, a chamada técnica de Kelly traz um bom resultado para os pacientes. Mas ainda é pouco utilizada devido à sua complexidade.
Diante disso, um grupo cooperativo brasileiro foi formado por cirurgiões para o emprego desse procedimento em pacientes com extrofia vesical e epispádia. E, no dia 18 de setembro, um bebê de quatro meses passou pela cirurgia, realizada pela primeira vez no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
O paciente tinha apenas epispádia com incontinência urinária. O procedimento durou nove horas, contando não apenas com a correção dessa condição, mas também com a reconstrução do esfíncter para permitir o controle da urina pelo bebê — um quadro que exige maior atenção no pós-operatório, como explica Eduardo Correa Costa, cirurgião pediátrico do Hospital Moinhos de Vento.
“Quando fazemos isso, há um aumento da pressão dentro da bexiga, o que exigiu também um procedimento para prevenir o refluxo da urina para o rim. Com isso, o paciente vai para a UTI com vários cateteres, um em cada ureter, além de sonda na bexiga e acompanhamento da musculatura do abdome”, explica o médico. O bebê teve uma boa evolução após a cirurgia, tendo a intubação retirada após 72 horas, quando a média é de seis a sete dias. Posteriormente, serão necessários outros procedimentos para concluir a reconstrução da uretra.
O grupo cooperativo, do qual faz parte Eduardo, já realizou 34 cirurgias em nove estados, envolvendo mais de 200 cirurgiões, promovendo troca de experiências e crescimento conjunto. Ele destaca a qualidade da assistência no Hospital Moinhos de Vento, referência em tratamento intensivo pediátrico. “Isso agrega uma importante expertise para a instituição, que já é reconhecida em diversas áreas”, afirma. Embora complexo, o procedimento não é de urgência, sendo indicado para pacientes a partir dos três meses de idade.
O chefe do Serviço de Pediatria do Moinhos de Vento, João Krauzer, destaca que a instituição vem somando avanços importantes na área pediátrica, sendo referência em alta complexidade no tratamento intensivo, oncologia, hematologia, neurologia, cirurgia cardíaca e terapia gênica. “Temos a expectativa de ser, também, referência nesse tipo de procedimento da técnica de Kelly”, enfatiza o médico, pontuando que a rápida evolução clínica do paciente é exemplo das boas práticas e especialização da estrutura e profissionais.