Os deputados estaduais aprovaram há pouco o projeto que prevê a privatização da Corsan. Por 33 votos favoráveis, 19 contrários e duas abstenções, a proposta permite que o Executivo encaminhe a venda de ações da companhia. Apesar da aprovação, a proposta que trata da regionalização do saneamento deverá ser discutida nas próximas semanas.
O projeto do Executivo havia sido enviado no dia 12 de julho. Em relação ao texto original, foi aprovada apenas uma emenda, que incluiu uma política de contratação preferencial de obras e serviços de empresas gaúchas, além de uma obrigação do Estado destinar ao menos 5% da receita obtida na privatização ao financiamento de investimentos públicos, em articulação com os municípios, para “projetos de infraestrutura urbana, rodoviária e rural”.
O projeto de lei ainda não traz os termos do IPO da Corsan, que deverá ser a primeira privatização de uma estatal de saneamento do país. O governo gaúcho tem falado em manter uma participação de aproximadamente 30% na empresa. Além disso, há uma expectativa de injetar ao menos R$ 1 bilhão na companhia na oferta primária de ações. A perspectiva é realizar a oferta no início de 2022.
Até lá, a Corsan ainda precisa concluir a renegociação de contratos com os municípios atendidos, para ampliar a duração dos prazos contratuais e, assim, elevar o valor das ações. Também estão sendo feitas adaptações para que todos os acordos estejam dentro das novas exigências da lei do saneamento.
Posição dos deputados
Ao longo da sessão, os deputados manifestaram calorosamente os seus posicionamentos, favoráveis e contrários. Parte das críticas foi direcionada ao governador Eduardo Leite (PSDB) e sua “quebra de promessa” estiveram presentes na fala de praticamente todos os parlamentares contrários. Na campanha eleitoral, Leite prometeu que não iria privatizar a Corsan. O deputado Edegar Pretto (PT) chegou a comparar o tucano com a presidência da República, afirmando que ele estaria “aproveitando o tempo para passar a boiada”. “Mentiu na campanha para se eleger sim. E nesse momento entrega sua palavra, sua política, à entendimentos sórdidos”, acusou Sofia Cavedon (PT).
As alegações foram rebatidas pelos deputados Sérgio Turra e Marcus Vinicius, ambos do PP, que justificaram a mudança de posicionamento do governador ao fato de as “regras do jogo terem mudado”, ao se referirem ao Marco Legal do Saneamento.
Para fortalecer a resistência, o deputado Tiago Simon (MDB), que não participaria da sessão em função da recente morte de seu irmão, Tomaz Simon, manifestou seu posicionamento. Ao chamar a condução do governo de “ilegítima”, por não acarar ao pedido dos prefeitos por mais tempo, Simon alegou “o governador João Dória (principal concorrente de Leite nas prévias do PSDB à presidência da República), está mostrando muito mais competência do que o governador Eduardo Leite”.
Do outro lado, parlamentares favoráveis à privatização reforçaram a justificativa do governo de que esse seria o único caminho para alcançar as metas previstas para 2033. “A Corsan tem a tarifa mais cara do Brasil. Cobra caro e não entrega o resultado e queremos deixar como está?”, indagou Mateus Wesp (PSDB). Para o deputado Giuseppe Riesgo (Novo), a companhia precisaria de um “choque de gestão que só a iniciativa privada poderia fazer” e, assim, conseguir “universalizar o serviço a partir da concorrência”.
As críticas da oposição também foram rebatidas. Wesp afirmou que com a privatização, ao contrário do que alegam, a empresa manteria os seus funcionários e, inclusive, ampliariam os cargos. “O interesse da empresa é atender os gaúchos, não o interesse do servidores”, disse. A fala do deputado Marcus Vinicius (PP) potencializou o argumento. “A Corsan pública ou privada deve constituir sobre um conceito claro: ser pública ou privada pra quem? Para os seus 5 mil servidores ou para os 11 milhões de gaúchos? Ser pública ou privada para atender os seus 17% de saneamento ou para ter implementos e receita para atingir os seus objetivos?”, provocou.
Posição da Famurs foi reiterada no plenário
A decisão da Famurs, que em assembleia extraordinária, na segunda-feira, pediu mais tempo para debater o assunto. A decisão sustentou os argumentos de muitos parlamentares contrários à proposta na tribuna. “O recado dos municípios foi muito claro: os prefeitos e a população estão inseguros quanto a proposta de privatização. Não houve espaço para diálogo”, enfatizou a deputada Patrícia Alba (MDB). Atualmente, a Corsan atende 307 municípios gaúchos, destes, ao menos 280 são atendidos através do sistema de subsídio contrário, pontuou ela. Com a privatização, prefeitos e parlamentares temam que o sistema acabe.
Sobre os apontamentos dos prefeitos, o governo esclarece, contudo, que a emenda protocolada pelo líder do governo, Frederico Antunes (PP), garantiria esse tempo solicitado pelos gestores. Por exemplo, além dos 10% das ações, os municípios ainda ficariam com 5% do resultado das vendas das ações para investimentos em diversas áreas no município. Na mesma linha, Sérgio Turra defendeu a emenda. “Ninguém falou, mas a emenda trata, porque foi solicitado pelos municípios, da tarifa social. A emenda que o governo teve a sensibilidade de ouvir esse conjunto de pedidos”, defendeu Turra. A emenda foi aprovada com 32 votos favoráveis, 18 contrários e quatro abstenções.
Outros deputados da base também se manifestaram contrários ao projeto. “Esse não é um pensamento contrário às privatização, mas, nas condições da situação. A Corsan dá lucro e está vinculada diretamente a questão de saúde”, defendeu o deputado Thiago Duarte (Dem).
Próximas etapas
Com a aprovação, o governo do RS trabalha agora para acelerar as próximas etapas até a venda do controle da estatal. O objetivo é realizar a oferta pública de ações na primeira quinzena de fevereiro.
Uma das prioridades agora é aprovar o projeto que cria as unidades regionais de saneamento. Com o aval para privatização, o governo abre prazo de 90 dias para que os municípios assinem os aditivos contratuais com a Corsan, possibilitando a ampliação dos serviços de tratamento de água e esgoto até 2062.
Nesse período, seguem em andamento os trabalhos do BNDES e das consultorias contratadas para a modelagem da privatização. Depois de concluído, o material será encaminhado ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), onde já tramita uma inspeção especial sobre a privatização, e à Comissão de Valore Mobiliários (CVM), que acompanhará e fiscalizará o processo.
Vencidas essas etapas e obtida chancela do TCE e da CVM, será marcada a oferta pública de ações na B3, a bolsa de valores de São Paulo.
A Corsan
- Criada em 1965, a Corsan atende 6 milhões de gaúchos;
- A empresa fornece água e saneamento em 307 municípios (61% do total);
- Em 2020, registrou lucro de R$ 480 milhões e fez o maior volume de investimentos da história da empresa, R$ 417 milhões;
- São cinco anos seguidos obtendo lucro, totalizando R$ 1,66 bilhão entre 2016 e 2020;
- Com 5,6 mil empregados, gastou R$ 1 bilhão em ações trabalhistas de 2016 a 2020;
- Os resultados mais recentes indicam lucro líquido ajustado de R$ 142,53 milhões no segundo trimestre de 2021, crescimento de 19,6% em relação ao mesmo período de 2020.