Ao leitor
Mensalmente essa coluna do Agro, tem o objetivo de trazer ao leitor do Vale do Taquari informações sobre o que acontece no Agro em nosso Estado, em nosso País, e por vezes em outros lugares do mundo. Sempre na expectativa de que a informação do que acontece ao redor do mundo, pudesse manter o leitor informado sobre os principais fatores que baseiam os mercados e o preço dos alimentos. Porém, na segunda-feira (04/09), nosso querido Vale do Taquari foi assolado por uma catástrofe, a maior enchente das últimas décadas, fazendo com que qualquer notícia de fora daqui, fosse por hora irrisória.
A impossibilidade de comunicação dos primeiros dias, sem notícias das pessoas queridas nos sinalizavam qual era o principal motivo de seguirmos em frente. No entanto, lastimavelmente, famílias perderam entes queridos, seus lares, seus negócios, suas plantações, seus animais, seus maquinários, entre outras coisas que faziam parte de uma imensa bagagem de memórias, que foram construídas ao longo de décadas com muito carinho, com muito esforço e dedicação, mas que com a força da água, se foram. Por isso, antes de qualquer informação a respeito da enchente de setembro de 2023, estendo os meus sinceros sentimentos à todos, seja qual tenha sido a sua perda, que embora seja diferente para cada um de nós, hoje é uma dor coletiva.
O que ocasionou?
Um sistema de baixa pressão provocou chuvas intensas ao longo da segunda feira dia 04 de setembro. A metade norte do Estado teve acumulados de 200 a até 400 mm de chuva. Em um único dia, na cidade de Passo Fundo houve o registro de 164 mm em 24h. Em algumas áreas de Passo Fundo, os valores acumulados chegaram a 390 mm. Todos estes acumulados pluviométricos, de altos volumes de chuva nas cabeceiras do Rio Taquari, causou uma rápida elevação do nível da água dos rios.
Barragem do Rio das Antas
Devido ao grande volume de água e a rápida elevação do nível das águas, muitos acreditaram que pudesse ter sido aberta a barragem do rio das Antas. No entanto, é errônea a informação da abertura de comportas na barragem Castro Alves. Essa informação não cabe, visto que a barragem possui vertedouros do tipo soleira livre, ou seja, não possuem estruturas que permitem o controle da vazão do rio, segundo informações oficiais do site do Governo Federal. Isso significa que a barragem sequer possui capacidade de armazenamento, e todo o excedente de água passa por cima da barragem.
Eventos climáticos extremos
Na metade da manhã da segunda-feira 04/09 iniciaram os alertas da Defesa Civil para chuvas intensas, enxurradas, cheias de arroios, inundações gradativas em rios e deslizamentos em regiões declivosas, pelo canal 40199. Para quem ainda não possui cadastro para recebimento dos alertas da Defesa Civil, pode fazer o mesmo, através do envio de um SMS gratuito para o número 40199, e escrever na mensagem o CEP do seu município.
Nesta semana, li um material instigante, redigido por Iporã Possanti e Guilherme Marques, do Instituto de Pesquisas Hídricas da UFRGS (IPH/UFRGS). Neste material, a afirmação “Não podemos mais ignorar a maneira como lidamos com o risco e a incerteza climática e hidrológica, para criar soluções que vão proteger vidas humanas e recursos materiais”. Para se ter uma ideia, a barragem de Castro Alves, no Rio das Antas, superou uma vazão estimada para 10 mil anos, o que significa uma probabilidade muito baixa, menor que 0,01%, de que esse evento acontecesse, ou em outras palavras, que este evento ocorresse a cada 10 mil anos. No entanto, esse é o terceiro evento climático extremo.
“Os cálculos estão corretos, assim como as técnicas de predição, o problema é que ela se baseia na suposição de que as informações que temos sobre o passado, são suficientes para prever o futuro”. A verdade é que a única certeza da vida é a mudança, e com este mundo dinâmico, em que as cidades mudam, assim como a permeabilidade de muitas áreas urbanas e rurais, faz com que no curso dos rios também tenha reflexos. Vale ponderar, quantas enchentes tivemos nos últimos anos? Quanto sedimento e materiais já foram depositados no fundo do Rio Taquari, rio que há anos atrás era navegável até Porto Alegre?
Perdas no meio rural
O Governo do Estado do Rio Grande do Sul, através do departamento de Desenvolvimento Rural, divulgou no dia 10/09 o levantamento preliminar dos impactos da chuvas intensas e enchentes na produção rural. Este levantamento é abastecido pelos escritórios municipais e regionais da Emater. Segundo o relatório, até o momento em que foi redigido e divulgado, são pelo menos 50 municípios afetados, abrangendo pelo menos 10.787 propriedades rurais. Os dados seguem sendo atualizados, e um novo relatório final deverá sair nos próximos dias. As perdas nos municípios de Encantado, Roca Sales e Muçum e demais municípios do Vale, também vem sendo levantadas. Há perdas diretas pela ocorrência da enchente e transbordamento dos arroios e rios, com a destruição de benfeitorias, morte de animais, perdas de lavouras e solo pela água, como também há perdas indiretas, causadas devido ao fechamento de estradas vicinais e quedas de luz, por exemplo, que ocasionaram perdas por falta de escoamento da produção, como é o caso da produção de leite, como também morte de animais por falta de alimentos.
Os números
Nos dados preliminares, são pelo menos 1.192 casas, 621 galpões, 12 armazéns, 116 silos, 25 estufas de fumo, 25 estufas de horticultura, 128 açudes (de piscicultura ou irrigação), 53 aviários e 45 galpões de suinocultura. As lavouras mais afetadas foram as de trigo, que já se encontravam em estádios avançados de cultivo, após florescimento, encaminhando-se para a colheita. As lavouras de milho, nas áreas em que já haviam sido semeadas, encontravam-se em estádio médio de V3. Muitas destas lavouras de milho já haviam recebido a aplicação de ureia e manejos fitossanitários necessários.
Até o momento são 1.616 produtores de grãos atingidos, além de 88 produtores na fruticultura, 2.691 fumicultores e 198 produtores olerícolas. Na pecuária, até o momento foram contabilizados 29.356 animais, entre bovinos de corte, bovinos de leite, suínos e aves. Pelo menos 370 caixas de abelhas e 35 toneladas de peixes. Devido à impossibilidade de acesso, pelo menos 813 produtores de leite foram impedidos de entregar sua produção, que somou pelo menos 327 mil litros. Além da perda de animais, ocorreu a perda na produção de forragens, o que impacta diretamente no custo e viabilidade da atividade pecuária, o que ainda não foi contabilizado. Em muitas propriedades houve a perda de silos inteiros de silagem, que quando em contato com a água, levantam do solo e imersos na água, são levados seguindo o fluxo das águas.
Perda dos recursos naturais
Outras perdas inestimáveis, são dos recursos naturais. Áreas de Preservação Permanente (APPs), que costeiam os rios, foram severamente afetadas e em alguns locais arrancadas pela força das águas, restando apenas a vegetação rasteira e composta de pastagens permanentes ou campo nativo, o que foi primordial para retenção de pelo menos parte deste solo. Em muitas áreas, com a força da água, a camada agricultável do solo foi completamente destruída e levada pela força da água, sendo um dano de alto impacto para a saúde do solo e produtividade das culturas. Esta é uma perda imensurável não só para esta próxima safra, refletindo-se nos próximos anos, visto que um solo saudável e fértil leva anos para ser construído.
Geraldo Alckmin visita o Vale do Taquari
O presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, junto ao Governador Eduardo Leite esteve em visita à Roca Sales e Muçum. Com uma comitiva de oito ministros, incluindo Meio Ambiente, Defesa, Saúde, Desenvolvimento Social, Desenvolvimento Agrário, Agricultura, Comunicação Social, Previdência, Cidades e Integração e Desenvolvimento Regional, se reuniram em Lajeado, no auditório da Universidade do Vale do Taquari (Univates) para ouvir prefeitos e empresários da região. Os representantes dos municípios formaram grupos estratégicos para elaborar documentos e ofícios, que foram entregues ao Presidente em exercício e ao Governador. Fato que foi de suma importância.
No domingo, dentre outras demandas, foi feita a solicitação de que fossem criadas linhas de créditos específicas, tramitações rápidas, como o retorno mais rápido de PIS e COFINS às empresas. E que estes recursos cheguem rápido, pois são importantes para o giro das empresas. As agroindústrias e cooperativas da região perderam toneladas de carnes, embutidos, lácteos, grãos, equipamentos e máquinas. Em Encantado, somente no frigorífico de suínos da Cooperativa Dália Alimentos, são em torno de 1.600 funcionários empregados diretamente. Nesta que é uma das tantas empresas que estão contanto dias sucessivos sem faturamento.
O Vale do Acolhimento precisa ser acolhido
É necessário que possamos manter as cadeias produtivas. Estufas de horti-fruti, olerícolas, lavouras, terras agricultáveis, silos, galpões, aviários, chiqueiros, frigoríficos, armazéns, entre outros, foram destruídos. Reestabelecer a cadeia produtiva, é manter empregos, para que a economia da cidade possa novamente girar. Que as autoridades permitam a desburocratização para impulso desta economia tão importante para o valor agregado bruto (VAB) regional. O Vale do Taquari é uma região de um povo riquíssimo, capaz de pescar o peixe, mas que PRECISA de apoio governamental para retomar ao barco, que hoje está seriamente danificado devido à força destrutiva das águas.