#CaliSchäffer | João Teodoro faz muita falta
A primeira coleção de livros que meu pai me deu quando eu era criança foi a do Sítio do Pica Pau Amarelo, do Monteiro Lobato, criado entre os anos de 1920 e 1947. Aprendi a gostar de ler quando conheci as aventuras do Pedrinho, da Narizinho, da Emília, que felizmente continuam presentes no imaginário infantil brasileiro, embora a tentativa absurda que fizeram de cancelar o escritor, proibindo a leitura de seus livros nas escolas, depois de 103 anos desde que as histórias foram inventadas, só porque Tia Anastácia era uma cozinheira negra.
No livro chamado “Cidades Mortas”, no conto “Um Homem de Consciência”, Monteiro Lobato criou um personagem chamado João Teodoro. João Teodoro nunca fora nada na vida e nem queria ser nada. Morava na cidade de Itaoca. “Chamava-se João Teodoro e só. Honestíssimo e lealíssimo, com um defeito apenas: não dar valor a si próprio. Para João Teodoro, a coisa de menos importância no mundo era João Teodoro”.
“Nunca fora nada na vida, nem admitia a hipótese de vir a ser alguma coisa, e por muito tempo não quis nem sequer o que todos ali queriam: mudar-se para terra melhor… João Teodoro entrou a incubar a ideia de também mudar-se, mas para isso necessitava dum fato qualquer que o convencesse de maneira absoluta de que Itaoca não tinha mesmo conserto ou arranjo possível”.
“Um dia aconteceu a grande novidade: a nomeação de João Teodoro para delegado. Nosso homem recebeu a notícia como se fosse uma porretada no crânio. Delegado, ele! Ele que não era nada, nunca fora nada, não queria ser nada, não se julgava capaz de nada…
“Ser delegado numa cidadezinha daquelas era coisa seriíssima. Não há cargo mais importante. É o homem que prende os outros, que solta, que manda dar sovas, que vai à capital falar com o governo. Uma coisa colossal ser delegado – e estava ele, João Teodoro, de-le-ga-do de Itaoca!…”
“João Teodoro caiu em meditação profunda. Passou a noite em claro, pensando e arrumando as malas. Pela madrugada boto-as num burro, montou no seu cavalinho magro e partiu. Antes de deixar a cidade foi visto por um amigo madrugador.
– Que é isso João? Para onde se atira tão cedo, assim de armas e bagagens?
-Vou-me embora – respondeu o retirante – Verifiquei que Itaoca chegou mesmo ao fim.
-Mas como? Agora que você está delegado?
-Justamente por isso. Terra em que João Teodoro chega a delegado eu não moro. Adeus.
E sumiu.”
Analisando a mensagem contida no conto de Monteiro Lobato chego à conclusão de que homens como João Teodoro fazem muita falta no Brasil. Seríamos um país muito melhor se esse tipo de gente existisse aqui, de verdade, e tivessem a dignidade de “sumir”, antes de assumir certos altos cargos públicos.