#CaliSchäffer | A inveja boa
Existe dois tipos de inveja. A inveja boa e a inveja má. A boa é aquela que a gente sente das pessoas que têm sucesso, que são felizes, mas sem aquele sentimento de recalque por não conseguir ser igual a elas.
Houve um tempo em que ela dormia quase que instantaneamente. Seu corpo se encolhia quase como na posição fetal. Seus olhos se fechavam e um sorriso sereno aparecia em seus lábios. Sua respiração tornava-se como a do ronronar de um gato. Durante o sono a temperatura do seu corpo se elevava, de forma tal, que era possível sentir o calor que dele emanava. Era um calor suave, perfumado. Parecia que nem sonhava, mas quando isso acontecia, a primeira coisa que fazia de manhã era contar que estivera num lugar maravilhoso, no qual o céu era sempre azul, e as flores coloridas embelezavam tudo, até onde a vista alcançava. Nada a perturbava. Aquela tranquilidade, aquela serenidade, parecia protegida por seres celestiais.
O sono dele era diferente. Era agitado. Tanto, que nem sentia vontade que chegasse. Dormia poucas horas, e justificava essa situação dizendo que estas lhe bastavam porque seu corpo já estava acostumado. Acordava diversas vezes durante a noite e era comum que levantasse, o que fazia com todo o cuidado, para não perturbar aquela calmaria toda que via diante de seus olhos.
Nos momentos intercalados quando dormia, ele sonhava. Mas seus sonhos eram ruins. Mais pareciam pesadelos. Sonhava com os problemas que teria de enfrentar no dia seguinte. Preocupava-se com a educação e com o futuro dos seus filhos diante da tragédia que antevia aconteceria não só no país onde vivia, mas no mundo inteiro, face a desintegração do conceito de família, do declínio da importância da sua profissão, e porque não dizer, com a decomposição de todos os princípios que formaram a civilização ocidental.
Todos esses trágicos acontecimentos seriam o resultado das decisões inconsequentes tomadas por aqueles que tinham e tem a responsabilidade de bem administrar a coisa pública para o bem-estar do povo, mas ao invés de assim agir, colocavam de lado a ética e a moral, e enriqueciam com a prática de suas indignidades. Também buscavam pura e simplesmente serem detentores de poder.
A decadência total lhe parecia evidente.
Nas transições entre os dias e as noites ele olhava com inveja para a tranquilidade que emanava dela. Até conseguia dormir por alguns momentos. E ficava imaginando que talvez um dia, se não nesta numa outra dimensão qualquer, lhe seria possível penetrar naqueles sonhos, participar deles pessoalmente, quando então teriam os dois a oportunidade de viverem juntos para sempre, felizes e despreocupados, naquele lugar maravilho que ela sempre lhe descrevia quando acordava de manhã.
Hoje ele é apenas um homem só. Mas mesmo na sua solidão e com as dúvidas que atormentam seus sonhos angustiados, ele fantasia que essa expectativa possa se concretizar. Talvez um dia. Quem sabe!