“Este certamente é o primeiro aspecto que coloca a população em dúvida: se vacina ou não as crianças”
Em todos os meios de comunicação e plataformas digitais, o assunto com maior destaque é a vacinação de crianças entre 5 e 11 aros. Duas vertentes debatem o assunto muitas vezes sem conhecimento de causa. Procuramos o médico pediatra Dr. Nestor Bergamaschi, com reconhecida atuação na região e mais de 40 anos de experiência, para falar sobre as principais dúvidas que permeiam em relação ao tema e, inclusive, sobre a exigência de passaporte vacinal em escolas.
JFV: Dentre os seus pacientes, acompanhou a evolução de algum quadro grave de covid-19 em crianças?
Dr. Nestor Bergamaschi – Em 2020 foram poucos casos de crianças com Covid-19 no meu consultório, e apenas uma hospitalização sem necessidade de oxigênio. Em 2021 foram mais atendimentos no consultório (média três por mês) e três crianças hospitalizadas, sendo uma encaminhada para UTI, com oxigênio, sem entubação e evoluindo bem. Neste ano de 2022, até o momento, um/dois testes positivos para Covid-19, em média, por dia e nenhuma hospitalização.
JFV: No público infantil, em que o coronavírus se diferencia, em sintomas, de uma gripe/resfriado?
Dr. Nestor Bergamaschi – Nem sempre é possível diferenciar um quadro de Covid, gripe ou resfriado. As manifestações são muito comuns aos dois, como dor de cabeça, secreção nasal, dor de garganta, dor no corpo, febre. Entretanto este coronavírus, variante ômicron, apresenta pouca ou nenhuma manifestação pulmonar (tosse). Outras vezes, somente com teste é possível esclarecer.
JFV: O Ministério da Saúde consultou a população sobre a necessidade de prescrição médica da vacina e definiu-se que a prescrição não será necessária. As próprias fabricantes divulgaram não terem tido tempo de avaliar possíveis efeitos no longo prazo. Qual a sua posição nesse sentido?
Dr. Nestor Bergamaschi – Também não concordo que deveria ser exigido prescrição médica para receber a vacina, exceção a aqueles que, exatamente ao contrário, não podem receber a vacina por alguma doença que o contraindique.
Quanto a questão dos efeitos colaterais, talvez seja um dos aspectos mais debatidos no mundo científico, principalmente sobre os possíveis riscos, a médio e a longo prazo, sobre os órgãos em desenvolvimento da população de 5 a 11 anos. Este certamente é o primeiro aspecto que coloca a população em dúvida: se vacina ou não as crianças.
A posição da grande maioria de entidades e associações médicas internacionais e brasileiras são favoráveis à vacinação. Posso citar algumas: Sociedade Brasileira de Pediatria. Sociedade Brasileira de Infectologia, Sociedade Brasileira de Imunizações, Associação Médica Brasileira, e outras. Minha posição sempre foi fervoroso defensor das vacinas, tanto que já fiz a terceira dose para o Covid-19, mas reconheço que há dúvidas, até mesmo por renomados cientistas brasileiros e internacionais.
No momento, entendo que pais indecisos, se vacinam ou não seus filhos, devem conversar com seu médico. Mesmo porque esta vacina não está mostrando eficácia suficiente para evitar o ômicron. E, nessa semana a própria Pfizer informou que está trabalhando mais especificamente com a versão ômicron para, em março/22, colocar a vacina no mercado.
JFV: Podemos afirmar que a principal diferença entre vacinação de adultos e crianças é a possibilidade de agravamento do quadro mediante a uma possível infecção, sendo esta muito maior em adultos
Dr. Nestor Bergamaschi – Ao longo desta pandemia, ficou constatado o fato de que as crianças e adolescentes até 19 anos apresentaram quadros clínicos mais leves ou assintomáticos, e por isso, com menos riscos de hospitalizações e/ou morte, em relação aos adultos (principalmente os acima de 50 anos). Há também a constatação desta nova onda com a variante ômicron, com mais adultos infectados que crianças. Por isso a mobilização mundial por vacinar prioritariamente os mais idosos e agora, a vez das crianças.
JFV: O que os pais devem colocar na balança na hora de decidir vacinar ou não seus filhos?
Dr. Nestor Bergamaschi – Não há como cobrar somente dos pais essa decisão.
Ao mesmo tempo é necessário não politizar mais esse assunto, pois se trata de crianças e adolescentes.
Destaco novamente minha contrariedade a qualquer intenção de politização. Mas é importante as entidades médicas e o estado assumirem o compromisso em sanar dúvidas da população.
JFV: Após dois anos de UTIs e leitos infantis fechados por falta de pacientes, a covid-19 teria se tornado uma urgência pediátrica, necessitando uma vacinação a toque de caixa das crianças? O que mudou nesse período, tendo em vista que ainda são raros os quadros graves de covid em crianças?
Dr. Nestor Bergamaschi – Até o início de dezembro de 2021 no Brasil, houveram aproximadamente 22 milhões de casos de covid-19 e 617 mil mortes, sendo 2,5 mil de crianças/adolescentes. Foram 2,2 milhões hospitalizações sendo 34 mil de crianças e adolescentes. Conclui-se com isso que há sim, embora muito menos, risco, daí a decisão de vaciná-los. E destaca-se que a faixa etária de 5 anos é, dentre as crianças, a de maior risco.
JFV: Uma das diretrizes da Anvisa para a vacinação desse grupo é que crianças permaneçam no local em que a vacinação ocorrer por pelo menos 20 minutos após a aplicação, facilitando que sejam observadas durante esse breve período”. Por que há essa recomendação?
Dr. Nestor Bergamaschi – Esta medida tem como principal objetivo precaver-se de eventual efeito adverso imediato aos componentes da vacina (não ao produto do vírus) que é a reação anafilática. Mas é importante destacar que é um evento extremamente raro.
JFV: Considerando possíveis efeitos adversos da vacina nesse grupo, o que pode significar um quadro de miocardite e pericardite em crianças, relatados na bula da vacina da Pfizer? Qual a relação risco/benefício?
Dr. Nestor Bergamaschi – Citados como efeitos adversos raros, a miodardite é uma inflamação do músculo cardíaco e a pericardite é a inflamação de uma membrana que reveste externamente o coração. Sabe-se que os benefícios da vacina, para evitar a doença grave/UTI e suas sequelas são maiores que os riscos.
Em nota de alerta a Sociedade Brasileira de Pediatria destaca que a presença de uma variante como a ômicron, com maior transmissibilidade, mesmo se comprovada sua menor gravidade, torna grupos não vacinados (crianças menores de 12 anos) mais vulneráveis ao risco da infecção e suas complicações, por isso considera a vacinação uma prioridade.
JFV: Quais seriam os impactos da implementação do passaporte sanitário em escolas?
Dr. Nestor Bergamaschi – Sou contra a implementação do passaporte sanitário nas escolas. Já vivemos uma realidade de medos, pânicos, limitações, dúvidas. Exigir obrigatoriedade de vacinar as crianças, dá um tom de controle extremo da liberdade de decisão dos pais sobre os filhos. Ao invés disso, o estado deveria se empenhar em dar mais condições a boa educação, esclarecer mais as dúvidas de todos, melhorar as estruturas das escolas para as medidas preventivas quanto a possível continuação da pandemia. O aprendizado das crianças em 2020 e 2021 esteve perto do caos.
Imaginem mais uma parcela de crianças novamente em casa, se assim for exigido o passaporte sanitário, o que seria?