Jornal impresso é refúgio de jovem com autismo

Aos 16 anos, Josué Pedrotti, morador de Roca Sales, tem um hábito diferente da maioria dos jovens da sua idade: ele adora ler jornais impressos. Diagnosticado com autismo de grau 1, o adolescente desenvolveu um grande interesse pelas páginas do Jornal Força do Vale, especialmente pela Arena FV, seção de esportes, e pela previsão do tempo, que ele acompanha com atenção. Às vezes, também folheia a Receitaria da Jacque, mas o que mais chama sua atenção são as notícias esportivas e, ocasionalmente, as matérias policiais. “Ele vai direto pros esportes, depois vê o tempo e às vezes comenta sobre alguma notícia de acidente ou coisa assim”, conta a mãe, Vanderléia de Oliveira, manicure de 37 anos.
O diagnóstico
Em entrevista ao Força do Vale, Léia relembra como foi o processo de descoberta e aceitação do diagnóstico do filho. “Naquela época, não se falava tanto sobre autismo. Quando descobri, foi um choque, mas fui atrás de tratamento. Fomos para Santa Catarina, onde ele fez vários atendimentos e evoluiu muito. Começou a falar com seis anos, e desde então só vem melhorando”, relata. Criando o filho praticamente sozinha, com o apoio da filha Ana Lia, de 14 anos, e dos avós paternos, ela construiu uma rede de apoio e afeto que faz toda a diferença. “Estar perto dos avós ajudou muito. O vô é uma figura muito importante pra ele. Josué sempre foi seletivo pra comer, não aceitava carne nem muitos alimentos, mas com o vô, experimentou o churrasco por exemplo. Hoje ele já come bem mais do que antes.”
Leitura de Jornais
O interesse pelos jornais surgiu naturalmente, há alguns meses, e se tornou parte da rotina. Léia conta que Josué até chegou a ler alguns livros durante um período, mas logo perdeu o interesse. Com o jornal foi diferente. “Ele se encantou. Gosta de folhear, observar as fotos e ler sozinho, no tempo dele. Depois me mostra o que achou interessante. É o momento em que ele fica tranquilo, concentrado e feliz.” Além da leitura, Josué também demonstra talento e sensibilidade nos desenhos. Ele costuma reproduzir caminhões, cenas de filmes e partidas de futebol, com atenção aos mínimos detalhes. “Ele é muito observador. Desenha as luzes, as janelas, os uniformes, tudo com perfeição. A psicóloga ficou impressionada com o nível de detalhe que ele coloca. É o jeito dele ver o mundo”, comenta a mãe.
Sobre o interesse pelos jornais e pelos desenhos, a mãe ainda tenta entender se trata-se de um hiperfoco, algo comum entre pessoas autistas. “A psicóloga disse que pode ser, mas a gente ainda está observando. Ele tem fases. Às vezes passa dias desenhando, depois para. Já o jornal, esse ele quer sempre. Se a gente sai e vê um, ele pede pra levar. Mesmo que seja de outro dia, ele folheia e comenta o que viu.”
Durante a entrevista, o Jornal Força do Vale decidiu presentear Josué e sua mãe com uma assinatura anual, para que possam receber em casa todas as edições do jornal. Ele adorou o presente.
Pensamento crítico
Mesmo em uma era dominada por telas e algoritmos, o impresso mantém um papel essencial na formação do olhar e do pensamento crítico. Segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a circulação de impressos no Brasil caiu mais de 60% na última década, acompanhando uma tendência global de migração para o digital. Ainda assim, cerca de 6 milhões de brasileiros seguem preferindo ler notícias em papel, valorizando a credibilidade, o tempo da leitura e o contato físico com as páginas.
Histórias como a de Josué lembram que o jornal impresso ainda cumpre uma função que vai além da informação: estimula a atenção, desperta memórias, ensina e aproxima pessoas. Em tempos de velocidade e dispersão, o papel resiste e continua sendo, para muitos leitores, um ponto de encontro entre o mundo e o coração.
A relação entre autismo, hiperfoco e leitura
A psicóloga infantil e psicopedagoga Cíntia Jardim explica que o hiperfoco é uma característica comum em crianças e adolescentes neurodivergentes, como aqueles com TDAH ou TEA (Transtorno do Espectro Autista). Ele se manifesta como um interesse intenso e prolongado por um tema específico, que pode envolver letras, números, mapas, dinossauros ou personagens de desenhos. “Não é algo negativo, desde que não traga prejuízos ao cotidiano”, afirma. Na terapia, esse interesse costuma ser usado como ferramenta de engajamento e desenvolvimento.
Quanto à leitura, Cíntia destaca que ela é um dos melhores estímulos para o desenvolvimento, especialmente no caso de crianças e adolescentes dentro do espectro autista. Além de ampliar o vocabulário, a leitura contribui para a criatividade, a interpretação de emoções e a compreensão do mundo. “Mesmo quando ainda não leem, a leitura de imagens e o envolvimento com histórias já promovem conexões afetivas e cognitivas valiosas”, explica.
Ela orienta pais e responsáveis a incentivarem o hábito da leitura com leveza, respeitando o ritmo e o interesse de cada criança ou adolescente. A imposição, segundo ela, pode ter o efeito contrário. Livros ilustrados, histórias curtas e gibis são boas portas de entrada. A forma como o adulto conduz a leitura, com entonação, emoção e contato visual, também é essencial para despertar o interesse do jovem leitor.
A leitura de jornais e revistas, quando bem conduzida, é igualmente valiosa. Por reunir diferentes tipos de texto e temas variados, ela amplia o repertório e aproxima o leitor da realidade social e cultural ao seu redor. Segundo Cíntia, esse tipo de leitura pode ser extremamente rica, desde que equilibrada com outras vivências do cotidiano, como o convívio social, o descanso e o lazer. Quando o interesse por jornais se torna muito intenso e ocupa boa parte do tempo, dificultando a desconexão, é possível caracterizá-lo como um hiperfoco. Em muitos casos, esse interesse evolui para novos assuntos, como esportes, mapas ou personagens, o que pode enriquecer o repertório da criança, desde que observado com atenção.

psicóloga infantil, psicopedagoga clínica
e especialista em psicologia escolar.
Atende exclusivamente crianças na
Clínica Farfalla em Encantado
Por Amanda Rech






