Pais enfrentam desafio de 48 horas sem telas para reconectar com os filhos
Experimento com três famílias no RS revela dificuldades e aprendizados da vida off-line em tempos de hiperconectividade

Sem celular, televisão ou computador, três famílias gaúchas testaram o convívio familiar por 48 horas longe das telas. A proposta escancarou a dependência digital dos adultos e abriu espaço para vínculos mais ativos com os filhos.
Convivência em tempos de Wi-Fi
O uso precoce de celulares, tablets e computadores por crianças transformou os dispositivos em babás digitais. Em muitas casas, a tecnologia dita a rotina. Diante disso, famílias enfrentam o desafio de preservar o vínculo emocional com os filhos em um cenário cada vez mais dominado por telas.
A repórter Carolina Aguaidas, da RBS TV, acompanhou a rotina de três famílias no Rio Grande do Sul que se propuseram a viver 48 horas sem qualquer dispositivo eletrônico — e também sem usar a palavra “não” para impor limites às crianças.
Regras claras desde cedo
Em Guaíba, Geise e Fabiano Teixeira criam seis filhos com regras bem definidas sobre o uso de tecnologia. O casal aprendeu com os erros cometidos com o filho mais velho e adiou o acesso ao celular para os mais novos.
“O Pedro foi nosso cobaia. Com ele, erramos e aprendemos. Os irmãos estão ganhando celular bem mais tarde”, contou Fabiano.
Mesmo com a casa cheia, os pais priorizam tarefas e brincadeiras longe das telas. “A vida acontece na realidade, não no virtual”, afirmou Geise.
Quando a tecnologia domina
Já na casa dos Germano, em Porto Alegre, a rotina é marcada pela presença constante de celulares. Matheus, de 8 anos, passa boa parte do dia no aparelho, enquanto a irmã Melissa, de 10, prefere leituras digitais.
Minha mãe diz que sou viciado. Acho injusto”, disse Matheus.
A mãe, Ivanete, reconhece a dificuldade: “Eles me veem no celular o tempo todo. Também uso muito por causa do trabalho”.
O fim de semana sem telas
A experiência mais intensa foi vivida pela própria repórter, Carolina Aguaidas, e sua família. Durante um fim de semana inteiro, decidiram não usar telas e evitar a palavra “não” nas interações com os filhos.
“Foi mais difícil pra gente do que pra eles. Usamos as telas como válvula de escape”, relatou Carolina.
A primeira noite foi desafiadora, mas histórias substituíram os desenhos. No sábado, entre panquecas e brincadeiras, a ausência dos dispositivos resultou em mais interação e participação das crianças.
Conflitos e criatividade
Sem telas e sem o tradicional “não”, os pais precisaram contornar situações de conflito com criatividade. Em um dos momentos, uma disputa entre irmãos exigiu habilidade para redirecionar a atenção das crianças sem recorrer à negativa direta.
“Confesso que talvez este desafio seja mais difícil para nós, adultos, do que para as crianças”, refletiu Carolina.
Ao final das 48 horas, a conclusão da família foi clara: mais tempo juntos e menos distrações fizeram bem a todos.
O que dizem os especialistas
Segundo o pediatra Daniel Becker, o uso excessivo de telas na infância pode trazer prejuízos como ansiedade, atraso na linguagem e dificuldades escolares.
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda:
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Sem telas antes dos 2 anos
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De 2 a 5 anos: até 1 hora por dia, com supervisão
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De 6 a 10 anos: até 2 horas por dia
Becker defende que experiências reais são insubstituíveis para o desenvolvimento. “A tela não promove desenvolvimento”, afirmou.
Limites sem confronto
A proposta de evitar o “não” se baseia em evitar confrontos desnecessários. Para Becker, redirecionar o comportamento é mais eficaz: “Dizer ‘isso machuca, vem ver isso aqui’ é uma forma de impor limites sem gerar oposição”.
Já a educadora Sabrina Passos compara o acesso irrestrito à internet a deixar uma criança sozinha em ambiente desconhecido: “É preciso orientação, presença e consistência”, alertou.