Alexandre GarciaColunas

#AlexandreGarcia | Cala boca

A ministra Cármen Lúcia, nesses dias, deve ter sido alvo de xingações e sugestões para que o Senado a inclua na lista de pedidos de impeachment de ministros do Supremo. O motivo foi o voto a favor da censura, em que ela pontuou: “A grande dificuldade está aí: censura é proibida constitucionalmente, eticamente, moralmente, e eu diria até espiritualmente. Mas também não se pode permitir que estejamos numa ágora em que haja 213 milhões de pequenos tiranos soberanos…”. Defendo que a ministra tem pleno direito de expressar sua opinião, porque se eu defendo a liberdade de expressão, não posso defender apenas a minha liberdade, mas também a dos outros, ou eu seria um hipócrita; do contrário, eu estaria afirmando que eu posso falar o que quiser, mas a ministra não pode.

Mas discordo da ministra por uma razão simples: se fôssemos 213 milhões de tiranetes, se fôssemos todos pequenos tiranos, não teríamos sobre quem exercer nossa tirania e seríamos todos iguais em poder, anulando-se mutuamente nossa dominação, que ficaria limitada a cada um de nós. Teríamos uma democracia de iguais tiranetes. A imagem que a ministra expôs é irreal, por impraticável. Tão irrazoável quanto proclamar que “Cala a boca já morreu!” e votar em uma fórmula que enseja a censura que Cármen Lúcia reconhece ser proibida na Constituição, na ética e até no espírito. Um paradoxo, que ela constatou como “uma grande dificuldade”.

No dia 25, a ministra votou de novo de maneira “excepcionalíssima”, como fizera ao censurar previamente um documentário do Brasil Paralelo. Foi 8 a 3 a votação que anulou a vontade da maioria do Congresso, que há 11 anos aprovou os artigos 19 e 21 do Marco Civil da Internet. Os três divergentes — André Mendonça (em voto magistral), Nunes Marques e Fachin — convergem em que quem redige leis é o Legislativo, o mais poderoso dos poderes. Os oito vencedores alegam que é preciso impedir mentiras, discursos antidemocráticos, de ódio, de golpismo.

Sim, censurem para que sejamos enganados pelo mentiroso, já que ele não exporá antes suas mentiras e, quando nos surpreender, já será tarde, porque estará eleito presidente da República. Ou quando formos massacrados pelo ódio, sem que o discurso de ódio nos prevenisse. Como vamos nos proteger de um golpista, se não pudermos ter acesso às suas intenções? Como vamos nos distanciar e isolar os pequenos tiranos, se não os identificarmos nas redes? Cidadania não precisa de tutela — tutor é dominador. Deixem que censuremos os mentirosos, não lhes dando leitura nem audiência.

Nessa decisão do Supremo, outro direito pétreo, a honra, vai ter que esperar ordem judicial para retirar a calúnia, a injúria e a difamação; para esses, não inventaram retirada rápida. Mas uma crítica, um gracejo, uma ironia, uma sátira, estão sujeitos a retirada imediata, se considerados antidemocráticos, ou misóginos, homofóbicos, ou outros modismos. O pior é o rótulo “antidemocrático”: se o parâmetro for o batom de Débora na estátua da Justiça, pode resultar em 14 anos de prisão.

Estamos perdendo a preciosa utilidade da crítica, do contraponto, que nos ajuda a corrigir nossos erros e a conhecer mais o adversário. Por fim, não custa lembrar, já que a ministra se referiu a “213 milhões de pequenos tiranos soberanos”: como seria bom se fôssemos, realmente, 213 milhões de soberanos. Porque, assim, cairíamos numa democracia, regime em que o povo é soberano.

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