O casal Ivanes Fátima Nunes Cavalheiro e Jefferson Beck, ambos com 39 anos, compartilham muito mais que o
amor. Estamos falando de uma trajetória de superação diante da deficiência visual. Eles se mudaram para Encantado em abril deste ano, após viverem em Porto Alegre por um tempo e estão adorando a cidade.
“Perdi a visão muito rapidamente”
Ivanes, natural de Barracão, no Paraná, na década de noventa se mudou para o Rio Grande do Sul com a família, que desde então, reside em Doutor Ricardo. Ela nasceu com glaucoma congênito, uma condição que gradualmente afetou seus olhos, causando danos ao nervo ocular e resultando em uma redução progressiva de seu campo visual, levando à cegueira total. “Comecei a perder a visão rapidamente”, conta ela. Infelizmente, no caso do glaucoma, a visão perdida não pode ser recuperada. Lembra que tudo foi muito difícil, mas não
se acomodou.
A dificuldade de acompanhar os colegas durante seus estudos foi um grande desafio. Determinada, aos 11 anos aprendeu braille, o que permitiu que ela continuasse sua educação, sendo destaque na escola. Hoje está prestes a concluir sua formação em letras na Uniritter.
“Tive que escolher entre a dor e a visão”
Jefferson também nasceu com glaucoma, passou por várias cirurgias e, aos cinco anos, perdeu completamente a visão do olho direito. Mas o pior ainda estava por vir. Adolescente, a pressão ocular aumentou no olho esquerdo, e então teve que tomar a difícil decisão: viver com a dor insuportável que sentia incessantemente ou optar por uma cirurgia que o deixaria cego. Corajosamente, ele escolheu abrir mão da visão para, sem dor, tocar a vida. Apesar das dificuldades, investiu no conhecimento, fazendo vários cursos enquanto trabalhava em empresas na Capital. Foi na tecnologia da informação que encontrou o caminho da realização profissional. Atualmente trabalha em home office com programação.
Encantados com Encantado
Encantado tem sido um lar acolhedor para Ivanes, Jefferson e os dois filhos. Apesar das dificuldades inerentes à condição física, relatam que as pessoas são amáveis, têm empatia. “Constatamos que a maioria nos compreende e nos apoia, tentam facilitar nosso acesso a locais e serviços”. Eles se mudaram para Encantado em abril deste ano e entre as razões, a principal foi buscar melhor qualidade de vida. “Estava complicado morar em Porto Alegre e decidimos mudar de vida, escolhendo Encantado. Estamos nos adaptando à cidade e estamos gostando muito”, diz Ivanes.
A ideia de se mudar para Encantado surgiu mesmo antes da pandemia, mas precisavam vender o apartamento em Porto Alegre. Tão logo isso aconteceu, se mudaram. “Não iriamos para a outra cidade hoje. Sabemos que no interior a falta de informação sobre como lidar com deficientes visuais é maior. No entanto, notamos que as pessoas aqui estão dispostas e abertas a aprender, questionar e procurar entender como é o processo”,
avalia Jefferson.
“Com o Cristo Protetor, a cidade também se abriu para o turismo e tem que estar pronta para receber pessoas com as mais variadas condições físicas, e isso é importante“. completa. O casal ainda não conhece o Cristo Protetor, mas ir até o local é desejo da família.
Nasce uma escritora
No olhar e no coração” e “Ser Feliz Não é ser Perfeito” são as duas obras escritas por Ivanes. Sua paixão pela escrita começou a florescer durante um concurso nacional de poesia, quando percebeu a facilidade para
criar rimas e expressar sentimentos através das palavras.
“Eu vi que levava jeito para escrever poesias e quis continuar escrevendo. Quando escrevi o primeiro livro, “No olhar e no coração” gostei muito da experiência de rimar, tenho uma facilidade muito grande”, compartilha. A obra marcou o início de sua carreira literária através da sensibilidade colocada em poesia. No segundo livro, Ivanes conta uma história, usando nomes fictícios, para relatar a vida de pessoas com deficiência visual, abordando situações constrangedoras e estereótipos muitas vezes associados a essa condição.
“As pessoas acham que somos coitadinhos e indefesos, quando não é isso. Conseguimos nos virar e ter autonomia em nossas atividades”, enfatiza. O livro tem um propósito essencial: transmitir informações importantes, desafiando preconceitos e promovendo uma maior compreensão sobre as vidas e habilidades das pessoas com deficiência visual.
Além de escritora, Ivanes trabalhou em instituições de ensino, como as universidades Univates e UniRitter. Atualmente, Ivanes integra a equipe da SX Negócios, uma empresa do Santander, onde exerce suas atividades
de forma remota, utilizando o computador como sua ferramenta de trabalho.
A maternidade
A chegada dos filhos trouxe mais força ao casal. Em 2014, Ivanes deu à luz ao Igor, seu primogênito, e em 2020 a família de Ivanes e Jefferson se tornou completa com o nascimento do segundo filho, Theo. A maternidade é uma jornada desafiadora para todas as mulheres e Ivanes tem tirado de letra, esse que é o papel mais importante da sua vida, garantindo que seus filhos recebam todo o carinho e cuidado necessário. “O amor faz milagres e a gente tem conseguido fazer o melhor possível pelos nossos dois tesouros”.
Igor (8 anos) e Theo (2 anos) também tem problemas de visão. “As crianças nasceram com glaucoma, mas desde de bebês tem acompanhamento médico. O Igor, fez a primeira cirurgia aos dois meses, atualmente tem uma baixa visão e o Theo, fez a primeira cirurgia com um mês de vida, e enxerga totalmente. Remédios e colírios fazem parte da rotina, além, é claro, do acompanhamento médico”.
A importância da descrição
A importância do ato de descrever pessoas e lugares para os deficientes visuais é imensurável, pois permite que eles possam compreender e apreciar o mundo ao seu redor de forma mais completa e inclusiva. Quanto mais detalhes, melhor a compreensão, seja da pessoa, dos espaços, paisagens, cenários.
“É fundamental para nós a descrição, pois entendemos o que está acontecendo, nos incluímos no momento” diz Ivanes.
NVDA, os olhos
O casal se utiliza de aplicativos que facilitam o dia a dia. A tecnologia é uma grande aliada. Ambos utilizam o NVDA, aplicativo que lê o conteúdo da tela do computador, para usar as redes sociais e realizar seu
trabalho online. “Para acessarmos o celular, escolhemos o iPhone, que oferece maior acessibilidade, inclusive com o uso do leitor de tela. Assim, vou poder ler esta reportagem nas redes sociais do Força do Vale,
através do celular”, comemora.