Faltas em excesso não impedem aprovação do estudante da rede pública do Estado
Um misto de sentimentos e entendimentos está povoando o universo educacional nas escolas estaduais, após o comunicado da Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul (Seduc), no último dia útil
de 2022.
Via Portaria, a Seduc permite que alunos que não tiveram frequência mínima em 75% das aulas, em 2022, já considerados reprovados por infrequência, possam fazer estudos de recuperação e uma prova final e, caso alcancem a média 5, sejam aprovados.
O comunicado pegou diretores e professores de escolas de surpresa, uma vez que o ano letivo já havia encerrado com o planejamento de realizar, em dois dias, as provas de recuperação para os alunos
com frequência regular, mas com notas abaixo da média necessária para aprovação.
Para a vice-diretora de uma das escolas estaduais de Encantado, Tatiane Reginatto Vier, essa obrigatoriedade fará com que a escola resgate muitos alunos. Entretanto, ela pondera que a frequência na escola vai além do aprendizado curricular. “Temos toda uma preocupação com as questões de integração social, de convivência, elementos que contribuem para um aprendizado mais completo, e quanto a essa normativa, me preocupa um pouco porque tem coisas que o coletivo ensina e que são bem importantes para o desenvolvimento sócio emocional do aluno”, destaca.
Tatiane questiona, por outro lado, como será contada essa infrequência. “Vai ser dos dias letivos ou dos componentes curriculares?” Na visão da vice-diretora, a Portaria do Estado contrapõe a Lei de Diretrizes e Bases, que é a lei federal que norteia os passos da Educação. “Estamos num movimento da educação que tem uma base
curricular que contempla, inclusive, as questões de imigração, para que estudantes imigrantes tenham a mesma base, a mesma conduta; fazer uma lei estadual assim contrapõe a lei federal, e isso me preocupa um pouco”, revela.
Clima pesado
No comando de outra escola estadual, uma diretora que não quis se identificar, disse ser desconfortável falar sobre esse assunto, porque os diretores têm, de um lado, professores tristes e revoltados por essa medida ter acontecido de última hora, sem planejamento e sem a escola estar organizada, e por outro lado, alunos que possam ver nesses estudos de recuperação uma oportunidade de avançarem seu nível de escolaridade. “Está um clima bem pesado nas escolas por toda essa situação, mas temos que andar conforme a música”, declara.
Conforme essa diretora, a escola está se ajustando ao que precisa ser feito para receber os alunos evadidos no período de 08 a 17 de fevereiro, quando haverá um Conselho de Classe para definir quem fica e quem passa. “Estamos entrando em contato com as famílias, reforçando a importância de esses alunos virem; o Conselho
Tutelar está ajudando a estimular os evadidos para que vejam nessa recuperação a “oportunidade adicional” colocada pelo governo do Estado.
Estamos reorganizando toda a estrutura para que sejam atendidos. Se virão, não sabemos. É cansativo porque é sem planejamento, mas segunda-feira estaremos com toda a equipe na escola para receber esses alunos, fazer esses estudos de recuperação, as novas avaliações, para dia 17 dar o veredicto”, relata a diretora.
Para o professor Vanderlei Marchetti, dentro da perspectiva da não exclusão, da pandemia, ele vê nesta portaria uma proposta cujo resultado só será visto posteriormente. Medida justa?
Se a medida instituída pela Seduc será exitosa ainda é uma incógnita. “Alguns dias de aula vão recuperar o ano inteiro? Os alunos evadidos conseguirão aprender em uma semana se ficaram um ano inteiro sem pisar na escola? Não é justo nem com os alunos que frequentam regularmente, que se dedicam e que ainda assim correm o risco de serem reprovados”, desabafa a diretora.
Para organizar a acolhida aos reprovados por faltas frequentes, as escolas precisam se preocupar com o transporte para quem mora longe. Até o fechamento da edição, apenas uma escola havia solicitado o serviço
à Secretaria Municipal de Educação.
Para essa mesma diretora, dar oportunidade para alunos infrequentes começou na pandemia e, pelo visto, prossegue. “Tivemos que atender um aluno que não veio o ano inteiro e que, no final do ano, foi chamado,
fez todas as provas, e passou. Pelo visto, o governo entende que ficaram reflexos e talvez por isso querem manter essa regra”, destaca.
Aumento do índice de aprovação
A medida traz, na visão dos entrevistados, um objetivo implícito, que é a questão de aprovar o máximo possível de alunos para manter os índices positivos. “Ficamos na pressão, porque o aluno não fez o tinha que fazer, não alcançou os objetivos, mas temos que passar porque os índices de reprovação não podem ser altos”. “Isso desmotiva um pouco os alunos que se mantêm frequentes, que fazem tudo e ainda têm chance de reprovar, e os professores se sentem impotentes, até desvalorizados de certa forma, mas vamos torcer para que os que não vieram antes, venham agora, sob pena de termos que justificar o porquê de tantas reprovações e/ou abstenções”, desabafa a diretora que preferiu manter-se no anonimato.
Profissionais de Encantado relatam impacto da medida nas escolas
Empatia
A estudante aprovada para o 9º ano com notas altas, Cathrina Alexandre (13), é imigrante haitiana e está a apenas quatro anos residindo em Encantado. Com português claro e fluente, ela se dedicou para aprender o idioma tanto quanto se dedicou a compreender e aprender as disciplinas. Cathrina não se enquadra no público-alvo da Portaria 305/2022 da Seduc, mas vê nela a oportunidade para que colegas de sala de aula possam seguir acompanhando a turma. “Isso é ótimo”, diz a menina. O depoimento da aluna impressiona pela empatia. “Tem muitos alunos que precisam de ajuda e muitas vezes abandonam os estudos por não conseguirem acompanhar os conteúdos; essa medida vai ajudar, principalmente, as crianças dos primeiros anos, que têm dificuldades no aprendizado inicial”, relata.