O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, aceitou, na terça-feira (14), o recurso Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) pedindo a suspensão do habeas corpus preventivo aos quatro réus condenados no julgamento da boate Kiss pela morte de 242 pessoas no incêndio de 2013, na sexta-feira (10).
Com a decisão, poderão ser presos Elissandro Spohr, o dono da Boate Kiss, Mauro Hoffman, outro sócio da boate, Marcelo de Jesus dos Santos, o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, e Luciano Bonilha Leão, o assistente de palco.
Na decisão, o ministro Luiz Fux considerou “a altíssima reprovabilidade social das condutas dos réus, a dimensão e a extensão dos fatos criminosos, bem como seus impactos para as comunidades local, nacional e internacional” para aceitar o recurso.
Segundo o ministro, a decisão impugnada do Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul causa grave lesão à ordem pública ao desconsiderar, sem qualquer justificativa idônea, os precedentes do Supremo Tribunal Federal e a dicção legal.
“Ao impedir a imediata execução da pena imposta pelo Tribunal do Júri, ao arrepio da lei e da jurisprudência, a decisão impugnada abala a confiança da população na credibilidade das instituições públicas, bem como o necessário senso coletivo de cumprimento da lei e de ordenação social”, disse.
Decisão do desembargador
A decisão do desembargador Manuel José Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal do TJ-RS, tinha suspendido a execução da pena e concedeu o direito deles recorrerem em liberdade. O desembargador entende que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não admite a medida nesta fase do processo e também para preservar o princípio da presunção de inocência. Outro ponto foi que réus responderam ao processo em liberdade e sem intercorrências.
O que dizem as defesas
Ao g1, o advogado de defesa de Luciano Bonilha disse que a decisão é “absurda”. Vamos ver o que fazer”, disse Jean Severo.
Tatiana Borsa, que defende Marcelo de Jesus, também disse que a decisão será analisada pela equipe de defesa.
Mário Cipriani, advogado de Mauro Hoffmann, afirmou:
“Não fomos intimados ainda. Tomamos conhecimento pela imprensa. Estamos tomando as providências necessárias”.
A defesa de Elissandro Spohr diz que espera o restabelecimento da liberdade dos réus.
“O processo da boate Kiss é totalmente nulo por ilegalidades que aconteceram desde o sorteio de jurados ao curso do julgamento, passando pela votação e indo até a sentença. Os erros gravíssimos estão todos registrados no processo e serão levados ao Tribunal de Justiça no recurso de apelação da defesa. Quanto à decisão do Ministro Fux, válida apenas para a suspensão da liminar, temos a expectativa de que será afastada na próxima quinta-feira, quando será julgado o mérito do habeas corpus, restabelecendo-se o direito de liberdade dos réus”, afirmou.
As penas
- Elissandro Spohr, sócio da boate: 22 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual
- Mauro Hoffmann, sócio da boate: 19 anos e seis meses de prisão por homicídio simples com dolo eventual
- Marcelo de Jesus, vocalista da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual
- Luciano Bonilha, auxiliar da banda: 18 anos de prisão por homicídio simples com dolo eventual
Entenda a decisão
Após a condenação por dolo eventual pela morte de 242 pessoas no dia 10 de dezembro, a defesa de Elissandro Spohr recorreu da decisão do julgamento na boate Kiss ao Tribunal de Justiça do estado (TJ-RS) e, com isso, os condenados não foram presos.
O cumprimento das penas de 18 a 22 anos se daria em regime inicialmente fechado. A prisão dos quatro chegou a ser decretada pelo juiz Orlando Faccini Neto durante a leitura da sentença.
No entanto, o magistrado recebeu a comunicação de que o desembargador Manuel José Martinez Lucas concedeu aos quatro o direito de recorrerem em liberdade.
“Tenho decidido que, na hipótese em que o réu responde a todo o processo em liberdade, às vezes, por vários anos, a condenação pelo Tribunal do Júri não justifica, por si só, a decretação da prisão”, resumiu o magistrado, na decisão.
Entenda o caso
Os quatro réus foram condenados por 242 homicídios consumados e 636 tentativas (artigo 21 do Código Penal). Na denúncia, o Ministério Público havia incluído duas qualificadoras — por motivo torpe e com emprego de fogo —, que aumentariam a pena. Porém, a Justiça retirou essas qualificadoras e converteu para homicídios simples.
Para o MP-RS, Elissandro e Mauro são responsáveis pelos crimes e assumiram o risco de matar por terem usado “em paredes e no teto da boate espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso, contratando o show descrito, que sabiam incluir exibições com fogos de artifício, mantendo a casa noturna superlotada, sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza, bem como equipe de funcionários sem treinamento obrigatório, além de prévia e genericamente ordenarem aos seguranças que impedissem a saída de pessoas do recinto sem pagamento das despesas de consumo na boate”.
Já Marcelo e Luciano foram apontados como responsáveis porque “adquiriram e acionaram fogos de artifício (…), que sabiam se destinar a uso em ambientes externos, e direcionaram este último, aceso, para o teto da boate, que distava poucos centímetros do artefato, dando início à queima do revestimento inflamável e saindo do local sem alertar o público sobre o fogo e a necessidade de evacuação, mesmo podendo fazê-lo, já que tinham acesso fácil ao sistema de som da boate”.