Depressão pode se manifestar com sinais diferentes na velhice
Sintomas incluem falta de vontade para realizar atividades antes consideradas prazerosas, diminuição nas interações, prostração e isolamento
Depressão não é normal na velhice. Ultrapassar a marca dos 60 anos e enfrentar as décadas seguintes com parcas condições emocionais não se trata de veredicto pré-definido. Reforçar a vigilância para as questões de saúde mental, tema que mobiliza profissionais de saúde da área no Janeiro Branco — campanha direcionada à população em geral, de todas as faixas etárias —, é fundamental para idosos e todos aqueles que convivem ao redor.
Médica geriatra do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Fernanda Cocolichio, especialista em neuropsiquiatria geriátrica, afirma que a depressão é o quadro mais comum nessa área entre pacientes mais velhos. A apresentação da doença pode se dar de forma diferente em relação a pacientes de outras idades, o que se torna um obstáculo para familiares para desconfiar do que, de fato, está se passando, até a mobilização em busca de suporte especializado. Nos idosos, salienta Fernanda, a depressão não apresenta, necessariamente, o humor deprimido, a tristeza profunda, o que contribuiu para o subdiagnóstico da doença.
Os sinais podem incluir esquecimentos — o que leva familiares a desconfiarem de demência —, movimentos executados em velocidade mais lenta, falta de vontade para realizar atividades antes consideradas prazerosas, diminuição das interações com outras pessoas, quietude, prostração, isolamento. Como o idoso não é tão estimulado, passa a não conseguir mais fazer coisas que antes tocava sem dificuldade, como pagar contas, organizar medicamentos, andar sozinho na rua devido ao medo.
A depressão é mais comum na terceira idade em comparação com outras faixas etárias. “Ah, ele está assim porque está velho.” O envelhecimento saudável, normal, não traz a depressão como algo obrigatório. Tem coisas relacionadas à velhice que fazem com que a depressão seja mais comum nessa fase, como agravamento de doenças, aposentadoria, solidão, luto por amigos e parentes, falta de propósito — descreve Fernanda.
A idade cronológica, observa a médica do HCPA, para o geriatra, não tem um peso tão grande na avaliação. As informações mais importantes quando se conhece e trata o paciente idoso é saber de suas capacidades para se manter autônomo no cotidiano.
— Pode haver um pouco mais de dificuldade no aprendizado, lentificação para realizar uma tarefa, mas o normal é conseguir executá-la de forma independente. Tem que investigar o que está por trás da perda de capacidade: depressão, ansiedade, demência. Às vezes, a depressão é o primeiro sintoma de um quadro demencial, e se perde o timing por achar que é normal na velhice. Faz diferença ter um geriatra acompanhando — acrescenta Fernanda.
Envelhecer também pode motivar longas e profundas reflexões sobre o passado, quando o indivíduo fica remoendo decisões, escolhas, oportunidades perdidas, rumos que a vida tomou ao longo das décadas. Encaminhar-se para a finitude descortina esses pensamentos, comenta a geriatra, mas isso não pode ser paralisante. Em qualquer momento da existência, é possível estabelecer metas, ressignificando o passar dos dias.
— Acumularam-se, com os anos, coisas boas e erros. Os idosos refletem mais sobre isso. Tento reforçar que enxerguem o lado bom de tudo isso: o legado deixado, as pessoas que colocaram no mundo, o que foi legal na trajetória. Aos 30 e poucos anos, também vou olhar para trás e pensar nas coisas que fiz errado — diz a médica. — Temos uma cultura antienvelhecimento, como se essa fase da vida fosse associada apenas a perdas e incapacidades. Temos que assumir o protagonismo do nosso envelhecimento. Pode ser uma fase muito boa. Não devemos nos comparar aos jovens, são períodos diferentes — salienta.
Temores da idade
Enfrentar a velhice requer planejamento antecipado, sempre que possível. Não se trata apenas de garantir renda suficiente após a aposentadoria, mas também de fazer uma “poupança” de afetos, mantendo vínculos ativos e saudáveis com outras pessoas, estar presente na vida de quem se ama. Cuidar do corpo e da mente desde cedo é investimento para as décadas de idade mais avançada. Leitura e prática de atividade física são essenciais.
A depressão é mais comum na terceira idade em comparação com outras faixas etárias. “Ah, ele está assim porque está velho.” O envelhecimento saudável, normal, não traz a depressão como algo obrigatório. Tem coisas relacionadas à velhice que fazem com que a depressão seja mais comum nessa fase, como agravamento de doenças, aposentadoria, solidão, luto por amigos e parentes, falta de propósito.
FERNANDA COCOLICHIO
Médica geriatra
No consultório particular e no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o psiquiatra Alfredo Cataldo Neto depara com esses e outros temores dos pacientes: a demência, o enlouquecimento, a solidão, o medo da morte — especialmente, durante a pandemia, quando os idosos foram os mais atingidos, pela privação do contato presencial e também como vítimas fatais — e da perda da autonomia. Transformar-se em um fardo, especialmente para os filhos, é o tormento de grande parcela dos pacientes.
— Depender dos filhos pode ser humilhante. “Quem é esse guri de quem eu troquei as fraldas e agora acha que pode mandar em mim?” Há uma inversão de comando. Tem pessoas que aceitam ajuda com facilidade e tem os durões — comenta Cataldo. — Conflitos com filhos são muito comuns. Com netos, geralmente é uma doce relação. Os avós são mais afetivos, mais dóceis, até porque se deram conta de que erraram com os filhos, e aí, quando vem a geração nova, eles procuram corrigir. Isso pode provocar inveja nos filhos: “Como é que era tão durão e agora está todo bonzinho?” A relação entre netos e avós é um grande suporte emocional — complementa o psiquiatra.
A decisão de buscar ajuda profissional para cuidar da saúde mental ainda bate em uma barreira que, apesar de ter se desgastado com o tempo, ainda resiste: associar a atuação de psiquiatras e psicólogos com loucura. O estigma vigora mais, justamente, entre idosos, que muitas vezes são auxiliados por filhos ou netos que, eles próprios, contam com o acompanhamento de terapeutas e garantem que a medida é benéfica, encorajando o comparecimento às sessões.
Filhos e netos podem se voluntariar para acompanhar o idoso até o consultório do terapeuta ou do médico de referência, mas sem imposições. A escolha de um tratamento psicológico ou psiquiátrico deve derivar de conversas em que o paciente também é ouvido e considerado. Especialistas que atendem idosos sabem como lidar com eventuais resistências.
— A proposta da terapia é ter um espaço para falar para nós mesmos e para uma pessoa neutra, que vai nos respeitar, nos escutar, fazer com que possamos nos compreender. A pior coisa que existe é a não compreensão. É um sintoma da doença mental: eu tenho que fazer algo e não entendo o porquê — explica o psiquiatra do São Lucas.
Aos estudantes para quem leciona na Escola de Medicina da instituição, Cataldo sempre ressalta a importância da saúde psicológica para o bom funcionamento de todo o organismo e, de modo geral, da vida.
— No centro de tudo, está a saúde mental. A cabeça comanda tudo. Não existe doença pior do que a doença mental porque ela ataca o centro de todos os cuidados. Afeta o sistema central, a placa-mãe, o centro de operação. Sem isso, nada avança. Temos que ter muito cuidado — afirma o professor.
No centro de tudo, está a saúde mental. A cabeça comanda tudo. Não existe doença pior do que a doença mental porque ela ataca o centro de todos os cuidados. Afeta o sistema central, a placa-mãe, o centro de operação. Sem isso, nada avança. Temos que ter muito cuidado.
ALFREDO CATALDO NETO
Médico psiquiatra
Construir uma rotina que faça sentido para o idoso é imprescindível. A pessoa precisa continuar tendo sua individualidade reconhecida e respeitada. Não se trata de escolher qualquer coisa para entreter alguém que está desanimado: um amante de clássicos do cinema italiano não tirará proveito, provavelmente, da novela a que a filha ou a cuidadora gostam de assistir todo final de tarde. Dar um baralho ou um quebra-cabeças para quem nunca gostou desse tipo de passatempo é infantilizar o indivíduo, ainda que muitos idosos possam, de fato, gostar muito desses jogos. É preciso considerar a história da vida pregressa para oferecer estímulos. O que esse homem ou essa mulher que envelheceram gostavam de fazer quando mais jovens? A que se dedicaram profissionalmente? A geriatra Fernanda exemplifica:
— Uma pessoa que sempre trabalhou com marcenaria ou eletrônica. “Pai, conserta isso aqui para mim? Só você consegue.” Tem de ser algo que faça o idoso se sentir útil, e não ridicularizado. Buscar algo do passado, livros, trabalhos manuais, receitas culinárias.
Fernanda enfatiza que a depressão tardia, que se instala após os 60 anos, tende a ser mais agressiva e resistente.
— Não vai melhorar com força de vontade. Precisa de tratamento medicamentoso. O grande erro do paciente é usar a medicação por um, dois meses, começar a se sentir melhor e parar. Isso tem que ser explicado, conversado. Temos que colocar o paciente junto na decisão terapêutica. Não é só dar uma receita e tchau — diz a geriatra.
Janeiro Branco
A campanha Janeiro Branco, iniciativa social liderada pelo psicólogo e palestrante mineiro Leonardo Abrahão, teve início em 2014. Aproveita-se do período inicial do ano, quando são comuns as avaliações do ciclo que acaba de se encerrar e as projeções para os meses seguintes, para chamar a atenção para a importância da saúde mental. Em 2023, o tema é “A vida pede equilíbrio”.
Há promoção de palestras, oficinas, cursos, workshops, lives, rodas de conversa e abordagem de pessoas em locais como praças, igrejas, empresas e shoppings em diferentes cidades pelo país. Uma organização não governamental (ONG) chamada Instituto Janeiro Branco surgiu para fortalecer as ações do projeto.
Interessados em participar ou obter mais informações podem entrar em contato pelo telefone (34) 99966-1835 ou pelo e-mail janeirobranco@gmail.com. O site janeirobranco.com.br disponibiliza materiais para download.
Sinais de alerta
- Situações que podem sinalizar comprometimento da saúde mental do idoso
- Falta de interesse e vontade em relação a atividades que antes eram prazerosas
- Perda de autonomia para executar tarefas do dia a dia
- Diminuição das interações com familiares e amigos
- Apatia
- Isolamento progressivo
- Passar muito tempo na cama
- Alterações nos padrões de sono e apetite (dormir e comer muito pouco ou demais)
- Persistência de pensamentos negativos
Como promover e manter a saúde mental
- A velhice requer planejamento, sempre que possível, e isso começa bem antes do marco dos 60 anos. O que você pretende fazer depois da aposentadoria? A que gostaria de se dedicar? Manter vínculos afetivos saudáveis com familiares e amigos é muito importante
- Sempre tenha metas, objetivos. Depois de concluídos os atuais, passe para outros. Não precisam ser projetos grandiosos, mas que se relacionem a seus interesses e a seu bem-estar
- O idoso deve manter uma rotina ativa que contemple exercícios físicos e hobbies
- Limitações como problemas no joelho, no quadril ou na coluna não são impeditivos para a prática de exercícios. Pelo contrário, exercícios são indicados para a melhora do quadro geral e do controle da dor. O que tem de ser feito são adaptações, bem orientadas por um educador físico, fisioterapeuta ou médico de referência
- Incorporar a atividade física à rotina ajuda a manter a autonomia, afastando um dos maiores temores da terceira idade: depender dos outros. Esse pode ser um argumento poderoso para convencer os que se mantêm no sedentarismo ou abandonaram a prática regular
- Facilite o que for possível: escolha uma academia ou um clube perto de casa, tenha companhia para as aulas ou procure um profissional que atenda a domicílio, se preferir
- Filhos, netos, demais familiares e amigos têm um papel central na boa convivência, demonstrando carinho, preocupação com a saúde e ajudando o idoso a se engajar em atividades que tenham sentido para ele. Pode ser algo que relembre sua atuação profissional ou um passatempo de anos atrás que acabou sendo deixado de lado
- Atividades em grupo, para muitos, são um estímulo extra: encontrar amigos, ex-colegas de longa data, fazer novas amizades
- A programação não precisa depender de uma escola ou instituição. Combine encontros regulares com amigos. O objetivo pode ser almoçar, jantar, tomar um café e conversar
- Um animal de estimação pode ser um grande suporte afetivo para idosos, mas cães e gatos são incapazes de atender a necessidades maiores. Isso precisa ser levado em conta