“Estou chegando no limite”, desabafa produtor rural, sobre perdas com estiagem em Canela
Nei Maldaner, 57 anos, é um dos agricultores que recebe água de caminhão-pipa na propriedade do interior de um dos municípios mais atingidos pela seca na Serra
Os produtores rurais sofrem com os impactos da estiagem pelo quarto verão seguido no Rio Grande do Sul. A falta de chuvas, que começou nos últimos dias de 2022, reacende o alerta: no último trimestre, foram 28 decretos de emergência elaborados por municípios do Estado. O número é quatro vezes menor do que em igual período de 2021. Mesmo assim, o fato causa preocupação e angústia para quem vive no meio rural. Inclusive, com efeitos severos à agricultura.
Na Serra, o cenário é o mesmo do restante do Estado. Em Canela, a falta de chuva levou a Secretaria de Agricultura a realizar um levantamento, em conjunto com a Emater, para determinar as perdas nas plantações. Com base nas informações, o município deve decretar situação de emergência na próxima semana. Conforme a prefeitura, 13 localidades do interior são as mais afetadas.
Uma dessas propriedades fica no Morro Calçado. Lá, o produtor Nei Maldaner, 59 anos, cria ovelhas e produz frutas. Ele recebeu água do caminhão-pipa na última quinta-feira (5). Há 15 anos, ele deixou Porto Alegre para viver no meio rural. Ele trabalhava com tecnologia até decidir se dedicar à fotografia. Viajou o mundo e até participou de uma expedição na Antártica. O sonho de ser pai e cuidar dos filhos em um lugar tranquilo e sustentável, no entanto, o levou até o interior de Canela.
— Quis sair para criar meus filhos no campo e ter uma vida sustentável. Estou, na verdade, chegando no limite porque é uma seca atrás da outra. Já estamos no terceiro ano. A gente tem as frutíferas e as nossas hortas, que são para nosso consumo, além de criação de ovelhas. Mas, a cada ano, a situação é mais difícil — destaca ele.
Maldaner conta que desde o ano passado, quando a crise da água se intensificou, ele começou a diminuir a criação. Apesar de contar com um açude na parte baixa da propriedade, há toda a área do morro, na qual ele não tem como fazer o encanamento para a água chegar:
— Fiz um investimento grande no início e tenho 40 mil litros que duram um mês. Mas, se tivesse que comprar agora uma caixa maior, não teria como investir. Hoje, tenho uma caixa grande e comprei outras pequenas. Quando para de correr água, vou lá e encho as duas de noite para ter água para o outro dia. O caminhão-pipa ajuda a ter água com frequência.
Ele perdeu toda a produção de avocado, uma espécie de abacate. Também perdeu mudas, plantações de árvores exóticas e, das mil mudas de eucalipto arco-íris, apenas duas brotaram. Agora, o solo está seco e as frutas, como o figo, estão secando. Acompanhado dos filhos Elisa, sete, Aurora, seis, e Inácio, quatro, ele tenta driblar as adversidades, mas admite que está cansado de lidar com as perdas.
— A gente perdeu pêssegos, que não deu para colher. A laranja e a bergamota também foram afetadas. Nos últimos anos estamos sem conseguir ter nenhum produto bom. Dá vontade de chorar — diz ele, que pensa em desistir:
— Plantei 60 avocados e morreram com a seca. No ano passado, passei o ano com uma retroescavadeira pegando água do açude e molhando planta por planta. Você faz o sacrifício durante um ano, dois anos, mas chega um ponto que tem que desistir. Não dou conta — lamenta.
Na localidade das Amoreiras, Celso Correia, 52, estava à espera do caminhão-pipa. Ele mora no interior de Canela há sete anos. Na propriedade, plantava mandioca.
— A situação está muito difícil. Não plantei mais mandioca por causa da estiagem. Recebemos água do caminhão a cada 15 dias. A gente fica inseguro e não tem como plantar. Meus vizinhos também reduziram muito as lavouras —conta Correia.
Perto dali, Francisco Rodrigues, 42, também esperava ansiosamente pelo abastecimento do caminhão-pipa. Ele tem duas caixas, uma de 1 mil litros e outra de 5 mil. Analista de sistema, ele mora em Porto Alegre e, há três anos, tenta plantar na propriedade, sem sucesso.
— Tudo que plantei não nasceu. Tentei milho e feijão e não tem jeito. Quando comprei, achei que tinha uma nascente e ia plantar e tudo ia nascer. Mas morreu tudo com a seca — lamenta ele.
Rodrigues ressalta que teve que investir na entrada da propriedade, construindo um trajeto de cimento para que o caminhão possa abastecer a caixa.
— Quem salva a gente é o caminhão-pipa. Se não, a gente não teria água — afirma ele.
Para amenizar a situação, desde dezembro a prefeitura de Canela entrega cerca de 60 mil litros de água diariamente nas localidades mais afetadas do município. Os funcionários Paulo Oliveira, 58, e Loy Jorge Cabral Borges, 65, são os responsáveis pela distribuição.
— Há três anos temos feito esse trabalho. As famílias nos esperam ansiosas — conta Oliveira.
Borges ressalta que a rotina é intensa:
— Esse ano parece estar ainda pior a estiagem, pois existem muitas vertentes secas. Nós passamos o dia abastecendo as propriedades. Eles acionam a prefeitura quando precisam. Começamos às 6h e, às vezes, vamos até as 20h. Eles precisam — destaca.
Ao menos 80 famílias são abastecidas por caminhão-pipa no município.