FORÇA DO VALE 40 ANOS
Revista VisualSaúde

Entrevista | Junho de 2017 – Caroline Dalla Lasta Frigeri

A vida e os desafios da oncologista encantadense, e a relação com o paciente.

É difícil deixar os problemas no Hospital, e apesar de todo o treinamento que temos, somos humanos, é impossível ficar insensível diante do drama pessoal de cada um.

A entrevista procura revelar essa característica da Dra Caroline, a empatia com as pessoas, muitas vezes relatada por seus pacientes.

Aos 40 anos, a cirurgiã oncológica, Dra. Caroline Dalla Lasta Frigeri, há 12 faz parte da equipe do Hospital Bruno Born de Lajeado, hospital de referência para o tratamento do câncer no Vale do Taquari.

A encantadense estudou no IEE Monsenhor Scalabrini, e depois no Colégio Evangélico Alberto Torres, em Lajeado, onde concluiu o 2º grau. Cursou medicina na Pontifícia Universidade Católica – PUCRS, residência médica em Cirurgia Geral no Hospital Nossa Senhora da Conceição e Cirurgia Oncológica no Hospital Santa Rita – Santa Casa, todos em Porto Alegre. É pós graduada pelo Hospital Sírio Libanês (SP) em Cuidados Paliativos.

Sempre em busca de novos desafios, a Dra Caroline, é professora da Faculdade de Medicina da Univates “porque acredito que seguir estudando e compartilhando o conhecimento é muito importante. De nada vale o que sei se não estiver a disposição para ser utilizado, além de ser muito compensador e de grande aprendizado estar no meio acadêmico.”

Entre uma cirurgia e outra, e a sublime tarefa de mãe, Caroline, dedicou um tempo para falar sobre o câncer, a paixão pela profissão, o amor pela família. Ela é filha de Casimiro e Maria José Dalla Lasta Frigeri, casada com Micael Eckert, mãe de dois filhos, Henrique e Helena, que enche a sua vida de alegria e energias.

Todo câncer é genético? E hereditário?

Não. Na verdade, a grande maioria dos casos é considerada esporádica. Eles estão relacionados a fatores ambientais, estilo de vida, por exemplo, tabagismo, má alimentação e sedentarismo. Além disso, o potencial de desenvolver o câncer tem características individuais. Isso significa que o mesmo fator pode provocar câncer numa pessoa e em outra não. Agora, quando há histórico de câncer na família devemos suspeitar que esses tumores podem ter fator genético ou hereditário envolvido. E aí sim cabem estudos genéticos específicos para isso.

Existe prevenção para câncer?

Sim e não. Sim porque todos os tumores que estão ligados a fatores adquiridos, podem ser prevenidos evitando os agentes causadores como o tabagismo, adotando hábitos de vida saudáveis, praticando atividade física regular, mantendo uma alimentação saudável e fazendo exames de rotina. Não, porque existem muitos tumores que não podemos evitar, mas podemos fazer o diagnóstico precoce. Essa é a grande arma no tratamento e na cura do câncer. Por exemplo, o câncer de mama: ele pode não ser evitável, mas quando descoberto em estágio inicial a chance de cura pode ultrapassar os 98%.

E a cirurgia de retirada da mama em casos de hereditariedade?

Em caso de hereditariedade, com mutação comprovada de BRCA há indicação de mastectomia profilática (retirada da mama) e ooforectomia (retirada dos ovários) porque nesses casos as mulheres têm 80 a 90% de chance de desenvolver um câncer na mama e 50% de desenvolver um câncer de ovário. Se não há mutação, a mulher tem a mesma chance da população geral e não tem indicação dessas cirurgias.

Uma das coisas que se ouve muito é que todos nascem com o câncer. Uns desenvolvem, outros não. É verdade?

Não é verdade. Existe o potencial de desenvolvimento, mas não nascemos com o tumor, exceto raros casos. Em algum momento da vida uma célula pode sofrer uma alteração e se transformar num câncer. Isso é fato!

O que já foi comprovado cientificamente como eficaz na prevenção do câncer que seja importante para a população entender, refletir sobre e mudar hábitos?

A principal medida preventiva é não fumar, porque o cigarro está relacionado com um número muito grande de tumores. A segunda seria manter um estilo de vida saudável, fazendo atividade física regular, porque ajuda no metabolismo, evita o ganho de peso, que algumas vezes pode estar relacionado com alguns tipos de tumores e tão importante quanto esta medida é a alimentação.

Tentar evitar alimentos industrializados, alimentos com agrotóxicos e o consumo excessivo de carne vermelha. Alimentos embutidos, por exemplo, tem grande concentração de nitritos e nitratos que podem causar câncer do aparelho digestivo. Na verdade são os excessos que fazem mal à saúde. Não é preciso deixar de comer, mas a moderação e o cuidado com o que ingerimos é que faz a diferença.

O consumo de bebida alcoólica, principalmente associado ao tabagismo é um fator de risco muito importante para o desenvolvimento de tumores na faringe, laringe, esôfago. A exposição solar excessiva que causa queimadura na pele, é um fator de risco comprovado para o câncer de pele.

Além disso, as mulheres devem manter os exames ginecológicos em dia e os homens o acompanhamento urológico. Acredito que hábitos saudáveis associados a uma vida serena sejam os principais fatores preventivos. Não devemos passar o tempo inteiro pensando que podemos desenvolver uma doença.

Os casos de câncer têm aumentado? Tem relação com o envelhecimento da população? A expectativa de vida do brasileiro, segundo o IBGE em 2015 é de 75,5 anos. Entre 1940 e 2015, o índice teve aumento de 30 anos e passou de 45,5 para 75,5 anos.

Dra. Caroline – Sim. Existem estimativas que já sugerem que em 10 anos o câncer seja a principal causa de morte, ultrapassando as doenças cardiovasculares. Isso porque hoje as doenças cardiovasculares são potencialmente tratáveis e os acidentes que atingem a população mais jovem são teoricamente evitáveis com uma melhor educação no trânsito. Com o aumento da idade, aumenta a chance de ocorrer alterações celulares e com isso aumenta a incidência de câncer. Hoje recebo pacientes de 80, 90 anos com diagnóstico de tumores precoces e a idade não é uma contra indicação de tratamento, o fator determinante é o estado de saúde do paciente. Há algum tempo uma pessoa de 60, 70 anos era considerada velha e nossa realidade não é mais essa. Eu acredito que a velhice seja um estado de espírito.

Visual – Cinco anos é o tempo que todo mundo diz que é o tempo da cura. É verdade?

Dra. Caroline – É um tempo estimado pelas organizações de saúde em que se considera o paciente curado e com alta, pois estatisticamente o risco de retorno da doença é muito baixo. Porém existem casos em que depois de cinco, 10, 15 anos pode haver uma recidiva e por isso é recomendado manter o acompanhamento médico anual. Assim como também pode surgir no decorrer da vida outro tumor que não tenha relação com aquele do passado.

Você conhece os mecanismos biológicos que provocam um câncer. Algumas pessoas veem nos desastres pessoais, como doenças, e em desastres naturais, como terremotos, “mensagens” divinas. E você o que pensa disso?

Na verdade ainda desconhecemos muito sobre esses mecanismos biológicos. Talvez esses fatores possam interferir na saúde da pessoa. Acredito que um desastre pessoal ou familiar possa baixar a imunidade e precipitar o avanço de algumas doenças. Mas infelizmente não tenho uma resposta concreta.

Existem muitos tipos de câncer?

Sim. Inúmeros. No mesmo órgão existem vários tipos de câncer com tratamento e comportamento completamente diferentes.

Por isso é tão difícil encontrar a cura, vacinas? Não é uma cura, são muitas curas?

Exatamente. E as novidades mais promissoras do tratamento parecem estar realmente relacionadas à estimulação do sistema imunológico

Se discute muito a influência da espiritualidade no tratamento. O que tu pensas sobre isso?

Acho que tudo que se pode agregar ao tratamento e que não tenha interferência tem muito a acrescentar. Em particular a espiritualidade tem um papel muito importante ajudando na motivação do paciente em buscar a cura junto com o médico.

É importante ainda salientar que o tratamento do câncer é multi e interdisciplinar, envolvendo vários profissionais que não só o médico – equipe de enfermagem, psicologia, nutrição, fisioterapia, assistente social e uma infinidade de terapias alternativas. Não estou falando de curandeirismo.

E o curandeirismo?

Não vi nenhum resultado significativo nos pacientes que tentaram essa modalidade de tratamento e deve ser avaliado com muita cautela.

Como é lidar com o sofrimento das pessoas? Como é que tu te proteges dessas situações?

Não é fácil. Uma coisa que me deixa tranquila é saber que o meu papel é o de auxiliar no tratamento. Eu tenho plena consciência que nem todos os pacientes irão se curar, mas se eu conseguir aliviar o sofrimento, preservar a qualidade de vida, mesmo que por um período mais curto de tempo, eu estou ajudando e fazendo o melhor. Seria muita pretensão achar que nós médicos podemos curar todo mundo, mas buscamos sempre a melhor alternativa e com as melhores intenções. As vezes o mais difícil é “desligar do hospital”. Na verdade acho que isso nunca acontece. E compartilhar as angústias com os colegas e discutir os casos com a equipe auxilia muito. Sou humana e cuido do meu semelhante. Impossível não me sensibilizar.

Qual o maior prazer da profissão?

Eu acho que os pacientes são o maior prazer da minha profissão. Sempre gostei muito de operar, mas o aprendizado que tenho com os pacientes oncológicos é muito grande, porque eles querem a cura e estão sempre dispostos a me ajudar e isso é fundamental para o processo.

Visual – As pessoas falam muito bem do teu profissionalismo, se sentem seguros e tranquilos, gostam muito de ti como pessoa, além de médica. A que creditas essa empatia que tens com os pacientes?

Fico muito feliz com esse reconhecimento. Procuro ser sempre muito franca com os todos. Não cabe mais esconder a doença, esconder o tratamento, então o que se forma é uma parceria. É o profissional e o paciente caminhando juntos para encontrar o melhor tratamento. Tento me colocar no lugar de quem que está ali na minha frente procurando atendimento, fragilizada, cheia de dúvidas, medos e a melhor forma é esclarecer o que está acontecendo e mostrar que realmente a gente está junto nessa batalha. Acredito que não exista nada pior do que receber a notícia do diagnóstico e as informações do tratamento. O paciente quer saber como vai ser, o que vai acontecer, quais as mudanças de vida, no trabalho, nos relacionamentos… É isso que eu procuro passar a eles, além da segurança do que podemos fazer para o tratamento dar certo, porque o objetivo é esse.

Normalmente a cirurgia é o primeiro tratamento. A pessoa está fragilizada emocionalmente. Como lidar com esse momento. Ouve muito a pergunta por que eu?

Com frequência, mas infelizmente essa é uma pergunta que não tem resposta para a grande maioria dos casos. Muitas vezes os profissionais encaminham o paciente sem saber do diagnóstico e eu preciso informar. Geralmente me perguntam aquilo que estão preparados para saber. A vida vai ensinando como lidar com essa situação e no decorrer da consulta percebo o que a pessoa está preparada para saber. Acho que o mais difícil é tu colocares o teu corpo aos cuidados de uma pessoa que acabaste de conhecer. O médico se prepara para essa situação, mas isso não quer dizer que não me emocione com algumas coisas. É natural do ser humano. Temos sentimentos e é isso que faz a diferença.

Há quantos anos está trabalhando na área?

Eu me formei em medicina no ano de 2000 na Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Porto Alegre. Fiz especialização em cirurgia geral no Hospital Conceição e especialização em cirurgia oncológica no Hospital Santa Rita, terminando em final de 2004.

Em 2005 vim para Lajeado. São 12 anos atuando especificamente na área de Cirurgia Oncológica. No decorrer desse tempo muitos avanços foram surgindo no tratamento, aumentando consideravelmente a cura e o tempo de vida dos pacientes.

Como é tratar pessoas que tu conheces? Tem amizade?

É mais difícil, porque tem toda uma relação anterior e nem sempre tu estás apto a lidar. O importante é saber o limite. Se existe um empecilho de ordem emocional existe também a tranquilidade para encaminhar a pessoa para outro colega. Isso é muito bem explicado para o paciente.

Já aconteceu contigo?

Dra. Caroline – Já, mas as pessoas entenderam. É vida que segue. Temos que ter a humildade de reconhecer as nossas dificuldades, emocionais ou técnicas.

Visual – Existe mais resolutividade, cura, hoje do que há 10 anos?

Dra. Caroline – Sem dúvida. Cada vez mais os tratamentos oncológicos estão evoluindo e aumentando a chance de cura dos doentes.

Na cirurgia também?

Há avanços na cirurgia videolaparoscópica e na robótica. A técnica operatória é muito parecida, muda o acesso, são cirurgia menos invasivas, mas não menores. Mas atrás de todas elas continua o profissional e todo o seu conhecimento.

Dra. Carolina em cirurgia
Dra. Carolina Dalla Lasta Frigeri em cirurgia

Onde está a maior evolução no tratamento do câncer? Existem centros mais desenvolvidos do que outros?

Com a globalização e o acesso a informação, existe no Brasil o que há de melhor no mundo.

Tratar o câncer em São Paulo, Porto Alegre ou em Lajeado em que o Bruno Born é o hospital de referência para nossa região é a mesma coisa?

Hoje os protocolos de tratamento são internacionais e seguidos da mesma forma em qualquer parte do mundo. O acesso às medicações ou ao tipo de cirurgia pode mudar em alguns casos de acordo com o plano de saúde do paciente. Sempre explico quando existem outras alternativas.

Houve algum caso de cura do câncer que a marcou mais? Poderia relatá-lo?

Não tem um que marque mais ou menos. O que marca mais é a relação médico paciente. De todos os pacientes a gente tem alguma coisa boa para lembrar.

Mas há algum tempo tive algumas pacientes com a doença diagnosticada no final da gestação. Vê-las hoje, saudáveis e acompanhar a evolução dos seus filhos é muito emocionante.

O que está sendo pesquisado atualmente? Existe cura para o câncer?

Existe cura. Tanto que existem pacientes curados. As pesquisas são inúmeras e em várias áreas. Hoje a novidade mais promissora é a imunoterapia.

Os prognósticos de cura são maiores hoje?

Sem dúvida, mas depende muito do estágio em que a doença é descoberta e tratada.

Nossa região está bem assistida em tratamentos? Radioterapia, quimioterapia, profissionais?

Sim. Nós temos um Centro de Alta Complexidade em Oncologia que é referência não apenas na região, e que conta com tecnologia e profissionais de grande experiência reconhecidos nacionalmente. Participamos de protocolos de pesquisas internacionais, com o que há de mais promissor no tratamento de determinados tipos de câncer. Ou seja, pacientes da região do Vale do Taquari recebem tratamento igual ao de pacientes dos Estados Unidos e da Europa.

A estrutura de saúde na região está preparada para enfrentar o câncer?

Existem dois pontos. Temos toda a estrutura física necessária e profissionais capacitados, mas o que falta são mais verbas do Governo para o SUS. Existem cotas para realização de exames o que muitas vezes pode atrasar o diagnóstico e o tratamento. E isso não depende da equipe médica ou administrativa do Hospital. Mesmo com as dificuldades o Hospital Bruno Born procura facilitar o acesso dos pacientes para chegar ao serviço de oncologia o mais rápido possível. Assim, temos agendas específicas para primeiras consultas e planejamento rápido de cirurgias.

Existe diferença de protocolo para o tratamento do mesmo tipo de câncer?

Os protocolos de tratamento seguem padrão mundial. O que existe é a diferença de acesso a algumas medicações, exames ou procedimentos que vão variar de acordo com o convênio do paciente.

Quando tu sabes que existe procedimento ou medicação que faria diferença para o paciente daquilo que está à disposição, o que faz?

Procuro informar todas as opções terapêuticas. É meu papel como médica prestar esta informação, mas é preciso fazer entender que alguns procedimentos, por exemplo, não são disponíveis em determinados planos de saúde.

Tu operas qualquer tipo câncer?

Dra. Caroline – Vários tipos. Opero principalmente tumores do aparelho digestivo, aparelho ginecológico (ovário, útero, mama), tumores de pele entre outros.

Visual – Trata só pacientes adultos?

Sim. Para tratar pacientes pediátricos é preciso ser um pediatra especialista na área.

Por que escolheu medicina?

Pois é… Uma boa pergunta! E uma resposta difícil também! É o que mais amo fazer. Não me imagino fazendo outra coisa. Desde o colégio sempre pensei em seguir essa profissão e nunca me arrependi.

E a oncologia? E mais, a cirurgia oncológica?

Na verdade não conhecia a cirurgia oncológica quando iniciei o curso. Entrei na faculdade pensando em alguma especialidade relacionada a pediatria.

Desde o início me encantei com a cirurgia e o meu primeiro estágio foi na cirurgia oncológica. Foi amor à primeira vista.

Descobrir o corpo humano foi o máximo e tratar o câncer é desafiador. Nunca mais pensei em fazer outra coisa.

Entrevista veiculada na Edição 44 da Revista Visual | Ano 30 | Junho de 2017

Capa da Revista Visual | Jornal Força do Vale \ Edição 44 | Ano 30 | Dezembro 2017
Capa da Revista Visual | Jornal Força do Vale | Edição 44 | Ano 30 | Junho 2017
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