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Entrevista | Dezembro 2016 – Michele Gomes Da Broi

Nossa entrevistada é uma jovem biomédica de 30 anos, Pós Doc em Reprodução Humana, com dois prêmios nacionais. Apresentou trabalhos em congressos aqui e nos Estados Unidos. Faz pesquisa na USP, isso mesmo, na Universidade de São Paulo.

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Quero, de alguma forma, poder ajudar muitas mulheres com minhas pesquisas, aliviar o sofrimento dessas pacientes e ajudá-las a realizar o sonho da maternidade.

Estamos falando de Michele Gomes Da Broi, filha da Maria do Carmo e do Gildo, moradores e comerciantes de Encantado. Ah sim, irmã da Laura, estudante de medicina e da Eveline, estudante de Direito.

Dizer primeiramente que estamos muito felizes de ter tido a oportunidade de entrevistar um jovem talento local. Orgulho alheio!!! E, se é para se “gavar”, vamos de cara dizer que é muito bacana ter o currículo no “lattes”, e ela tem. Vai lá no  Google e nem precisa escrever todo nome, Da Broi é o suficiente, e você vai constatar que existe muito conhecimento dentro daquele lindo sorriso.

Ela estudou na Escola Farrapos e depois no Colégio Cenecista Mário Quintana, de onde saiu para fazer vestibular e passar de cara na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Lá graduou-se em Biomedicina, com habilitação em Reprodução Humana.

Depois fez mestrado em Ciências – Biologia da Reprodução pelo Programa de Pósgraduação em Ginecologia e Obstetrícia – FMRP-USP e Especialização (lato sensu) em Reprodução Humana Assistida pela Associação Instituto Sapientiae. Fez Doutorado em Ciências – Biologia da Reprodução pelo Programa de Pós-graduação em Ginecologia e Obstetrícia da FMRP-USP . Atualmente, desenvolve PósDoutorado na mesma USP.

Por que Biomedicina?

Quando escolhi o curso, estava no segundo grau e adorava as aulas de biologia com a professora Iracema Peretti Scaravonatti. Medicina sabia que não queria, pois não suporto ver gente sofrendo, então fiz os testes vocacionais e optei por aquela que era considerada a profissão do futuro, a biomedicina. Entrei na Fundação (hoje, UFCSPA), fiz parte da primeira turma de biomedicina daquela faculdade. Logo no primeiro ano tive aulas de embriologia e vi que era isso que eu queria para minha vida. Aproveitei tudo que o curso oferecia, fiz monitoria, estágio no laboratório, aproveitei muito e no último ano decidi pela habilitação que queria: reprodução humana.

O que faz o biomédico?

É um profissional da área da saúde que, geralmente, trabalha em laboratórios e atua em diversas áreas, como o desenvolvimento de pesquisas, realização de diagnósticos laboratoriais, análise de alimentos, análises toxicológicas e ambientais, reprodução humana, entre outros.  Especificamente, na reprodução humana, pode trabalhar como pesquisador, embriologista ou na realização de exames genéticos pré-implantacionais.

Quais as áreas de atuação da biomedicina?

É uma profissão com amplo campo de atuação. No total são 35 habilitações incluindo Análises Clínicas, Análises Ambientais, Análises Bromatológicas, Biologia Molecular, Genética, Reprodução Humana, Embriologia, Citologia Oncótica, Banco de Sangue, Acupuntura, Imagenologia, Informática Médica, Estética…

Teu primeiro trabalho na área foi ainda como estudante, um estágio bem puxado!

Sim, fiz um estágio curricular no Fertilitat – Centro de Medicina Reprodutiva, em Porto Alegre. Foi lá que conheci a rotina de um laboratório de Reprodução Assistida, aprendi bastante e tive mais certeza ainda da profissão que queria seguir.

E por que São Paulo? O Rio Grande do Sul não realiza pesquisa?

A Reprodução Humana possui um campo muito fechado e, na época em que me formei, eram poucas as clínicas e linhas de pesquisa nessa área aqui no Estado. Depois de formada fiquei seis meses procurando colocação no mercado de trabalho, então tratei de me especializar, e procurei por formação fora do estado. Entrei em contato com o grupo do Dr. Rui Ferriani e consegui um estágio probatório no Setor de Reprodução Humana da Faculdade Medicina de Ribeirão Preto (da USP). Foi aí que iniciei minha trajetória na pesquisa. Depois do estágio, fiz a seleção para o mestrado e passei. Gostei tanto, que estou lá até hoje.  Engraçado que, durante a faculdade, sempre dizia que jamais seguiria carreira acadêmica.

Por que?

Boa pergunta! Acho que porque eu era muito tímida, não tinha coragem de dar aulas. Também não sabia direito como era, de fato, fazer um mestrado, um doutorado.

E como é?

É uma montanha russa! Em um minuto tudo dá certo; no minuto seguinte tudo dá errado. E a gente quebra a cabeça, entende os erros, encontra soluções. Tem muito prazo, muita cobrança, muita coisa para fazer. Mas, no final, a sensação de ter encarado o desafio e alcançado o objetivo é recompensadora. Sem contar o amadurecimento pessoal e profissional, as amizades que vêm de brinde.

O que exatamente tu pesquisas?

Eu trabalho com endometriose e infertilidade. Minhas pesquisas visam entender como a doença afeta a fecundidade das pacientes, para, futuramente, melhorar a fertilidade natural delas e/ou otimizar seus tratamentos de Reprodução Assistida.

O que é exatamente a endometriose?

É uma doença ginecológica com alta prevalência entre as mulheres e que, em muitos casos, afeta a qualidade de vida das portadoras. Apesar de ser assintomática em quase 25% das pacientes, na maioria dos casos, é acompanhada por muita dor, cólicas menstruais fortes, sintomas intestinais e urinários e, frequentemente, associa-se à infertilidade.

Qual a causa da endometriose?

Inúmeros estudos têm sido conduzidos para esclarecer as causas da doença, porém, ainda não há uma resposta definitiva. Várias teorias tentam explicar a endometriose e a mais aceita é a da menstruação retrógrada, em que um pouco de sangue da menstruação volta pelas trompas e cai na cavidade pélvica, onde os focos de endométrio se desenvolvem. No entanto, muitas mulheres têm essa menstruação retrógrada (aproximadamente 90%) e apenas de 6 a 10% delas desenvolvem a doença. O porquê disso, ainda não foi bem estabelecido. Acredita-se que esse processo envolva diversos fatores, incluindo genético, imunológico, inflamatório, epigenético e ambiental.

Trata-se de uma doença hereditária?

Parece que o fator hereditário está presente em, aproximadamente, metade dos casos, de modo que a presença da endometriose em uma mulher é um fator de risco para o desenvolvimento da doença em outra pessoa da mesma família.

E o que tu tens encontrado nos teus estudos?

Nos meus estudos, eu procuro descobrir mecanismos associados à endometriose que estejam atrapalhando a fertilidade dessas mulheres. Se soubermos o que causa a infertilidade (o que ainda é enigmático), ficará mais fácil de propor medidas para evitar que a mulher necessite recorrer a tratamentos de reprodução assistida, que são muito caros e poucas pessoas têm acesso, assim como, melhorar os tratamentos existentes.

Durante o mestrado, avaliei o papel da qualidade do óvulo. Se o óvulo não é bom, o embrião formado a partir dele tem menores chances de ser bom também, dificultando a gestação. Nesse estudo, comparei o efeito do fluido folicular – líquido que envolve o óvulo dentro do ovário – de mulheres com e sem endometriose sobre a qualidade dos óvulos, utilizando modelo experimental bovino. Meus resultados mostraram que o fluido de mulheres com a doença provoca muito mais danos nesses óvulos do que o de mulheres sem endometriose, sugerindo que algo presente nesse líquido possa ser provocado pela doença e esteja prejudicando a qualidade dos óvulos. Paralelamente, também investiguei quais poderiam ser essas moléculas presentes no fluido folicular que teriam um efeito danoso ao óvulo. Com base em dosagens de algumas moléculas, encontrei que radicais livres e estresse oxidativo (dano causado pelos radicais livres) tenham um papel importante nas alterações dos óvulos em mulheres com endometriose.

E no doutorado?

Durante o doutorado, avaliei o papel do endométrio na infertilidade dessas pacientes. Se o endométrio (camada que reveste o útero e onde o embrião se fixa e desenvolve) não está bom, o embrião não consegue se implantar, mesmo que seja de boa qualidade. Nesse estudo, investiguei todas as alterações genéticas presentes no endométrio de mulheres com endometriose, comparando-as a mulheres férteis. Meus resultados mostraram que existem alterações em genes possivelmente envolvidos na receptividade do endométrio ao embrião, especialmente nos casos de doença avançada. Mas mais estudos são necessários para avaliar o papel desses genes na infertilidade associada à doença.

No Pós Doutorado tua pesquisa é relacionada ao mesmo tema?

Sim. No meu pós doc, estou continuando essas análises, avaliando outros mecanismos do endométrio dessas mulheres.

Por que usou modelo bovino no estudo do mestrado?

Nem todos os estudos são realizados com material humano. Os óvulos são células preciosas para o tratamento de Reprodução Assistida e as pacientes que estão em tratamento raramente doam esse material para pesquisa, mesmo que tenham muitos. Então, às vezes, torna-se necessário utilizar modelos animais, que imitam o que acontece com a mulher. Nesse estudo eu usei óvulos de vacas. O modelo ideal seria primata (macacos), mas não temos biotérios de primatas aqui. Por questões práticas, utilizei modelo bovino. O ovário bovino é semelhante ao humanoesses animais são monocíclicos e monoovulatórios. 

Já recebeu prêmios pelas suas pesquisas?

Sim. Dois prêmios Campos da Paz de melhor trabalho do 26º e 27º Congresso Brasileiro de Reprodução Humana. Um em Porto Alegre e outro em São Paulo. Foram dois estudos bastante trabalhosos. E esses prêmios vieram como uma recompensa. Com a mensagem de que vale a pena cada dia de pesquisa. Que é sofrido, mas dá certo.

Qual é o sentimento quando encontra a resposta para a pergunta?

Sempre é muito gratificante chegar ao final de uma pesquisa com um resultado. São tantas as dificuldades que surgem no meio do caminho, como kits que não funcionam, protocolos que precisam ser adequados, atraso na entrega de reagentes, escassez de pacientes voluntárias, contaminação de incubadoras etc, etc,  etc, que quando conseguimos chegar a uma resposta, é uma vitória. E essa resposta pode ser sim ou não.

O não frustra?

Não necessariamente. Quando propomos um estudo, criamos uma hipótese, que pode ser confirmada ou rejeitada. Mesmo que não seja confirmada, é um resultado. Claro que torcemos pelo sim, mas o não também é uma resposta, pois vai direcionar os próximos passos e a pesquisa de outras pessoas também.

Finalizada a pesquisa, o que é feito com os resultados?

O objetivo de todas as pesquisas é chegar a uma resposta e torná-la acessível ao meio científico através de publicações em revistas internacionais renomadas, específicas da área. Através disso, outros pesquisadores poderão ter acesso aos resultados, que poderão guiar novos estudos e ajudar na tomada de decisões clínicas.

Qual a principal revista científica?

São inúmeras e cada área tem as suas mais importantes. Mas, sem dúvida, o sonho de consumo de todo pesquisador é um dia publicar na Nature e na Science (mas é muito difícil).

Fazer pesquisa realiza financeiramente?

Infelizmente, não muito. Principalmente no início. Costumo dizer que, no Brasil, só apaixonado e teimoso faz pesquisa.  Para se tornar um pesquisador, o indivíduo precisa fazer mestrado, doutorado e, nesse período de formação, viver de bolsa. E, muitas vezes, continuar assim mesmo após a titulação. No entanto, para receber esse auxílio, é obrigatório que se tenha dedicação exclusiva. Como os valores das bolsas, geralmente, são desatualizados, os alunos de pós-graduação passam aperto, principalmente em locais com custo de vida elevado. 

Então, é uma profissão que não recebe a devida importância?

Exatamente. Não há incentivo por parte do governo. Se o investimento em saúde, educação e segurança é precário, imagina na pesquisa. Apesar de existirem órgãos estaduais e nacionais de fomento, os auxílios e bolsas estão cada vez mais escassos. A cada ano, o número de novas bolsas de mestrado e doutorado vem diminuindo, assim como, os financiamentos para novos projetos.  Sem financiamento, não há dinheiro para bancar os experimentos, que são caros. E sem bolsas, não há pesquisadores para desenvolver essas pesquisas. Os gestores esquecem que a ciência está diretamente envolvida com o grau de desenvolvimento de um país. E que sem pesquisa, não se constrói conhecimento. A profissão cientista nem regulamentada é. Para seguir carreira de pesquisador, a pessoa precisa se sujeitar a viver de bolsa, com data de início e término, sem direitos trabalhistas, sem carteira assinada até conseguir uma colocação em empresa pública ou privada voltada à pesquisa ou um cargo de docente em uma universidade. Poucos são os cargos destinados exclusivamente à pesquisa. Normalmente, para ser pesquisador é necessário trabalhar como professor acadêmico.

Então vamos a clássica pergunta “Tu só estuda e não trabalha?”

Acho que não existe um pós-graduando com dedicação exclusiva que não tenha que responder isso, várias vezes na vida. E é difícil fazer as pessoas entenderem o que fazemos. Costumo dizer que meu estudo é meu trabalho e meu trabalho é meu estudo. Faço pesquisa científica. Eu ganho para isso. Sou paga para estudar e isso vai muito além de ler livros didáticos. No meu caso, estudo uma doença. Procuro tudo o que se sabe sobre ela e o que falta saber. Faço uma pergunta para encontrar uma resposta que faça outra pergunta e se encontre outra resposta e assim se constrói o conhecimento. Isso se traduz em entendimento de doenças, proposição de novos tratamentos, métodos diagnósticos, medicamentos, equipamentos.

Tu é pesquisadora bolsista. Pode fazer outra coisa?

Trabalho em regime de dedicação exclusiva em pesquisa e a princípio não posso ter contrato de emprego.

Existem muitos pesquisadores brasileiros no exterior?

Muitos brasileiros estão trabalhando em universidades e centros de pesquisa no exterior, onde são bem recepcionados, considerados bons profissionais. E isso é o sonho de consumo de qualquer cientista daqui. Fora do país, o pesquisador é muito valorizado e as pesquisas andam com maior facilidade. A burocracia lá é muito menor. O dinheiro é maior e as coisas funcionam. Aqui, já chegamos a ficar seis meses esperando por um anticorpo que ficou parado na ANVISA, sendo que não demoraria dois dias se fosse nos EUA. 

Onde já apresentou trabalhos?

Desde que iniciei o mestrado, procuro sempre participar dos principais congressos nacionais e internacionais na área.  Já apresentei meus trabalhos em vários Congressos Brasileiros de Reprodução Humana e Reprodução Assistida desde 2010. Também apresentei trabalhos em congressos da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM), nos Estados Unidos e tive trabalho apresentado no Congresso da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE), na Finlândia.

Pretende ser professora universitária?

Com certeza. Adoro dar aula. É o meu sonho. Estou estudando para quando terminar minha formação estar preparada para as oportunidades que surgirem.

O episódio do Abdelmassih afetou o meio da reprodução humana?

Sim. Gerou muita desconfiança, porque ele agiu de forma completamente criminosa e antiética. Tudo precisou ser readequado para ficar o mais transparente possível e possibilitar o acompanhamento do marido em todos os procedimentos. Para a pesquisa também foi muito difícil, pois as pacientes ficaram receosas de doar amostras, com medo de ser destinado a outras mulheres e não aos estudos. Isso diminuiu o número de voluntárias e dificultou as pesquisas.

É possível reverter a infertilidade de mulheres com endometriose?

É possível, mas cada caso é um caso. Existem tratamentos para ajudar no controle da dor e na melhora da fertilidade. São condutas diferentes e o médico vai escolher a mais adequada, levando também em consideração o desejo da paciente. Resumidamente, pode-se fazer a remoção dos focos de endometriose cirurgicamente, o que vai reduzir a dor e aumentar a chance de gestação espontânea e pode-se partir para tratamentos de Reprodução Assistida. Um fator extremamente importante a ser considerado é a idade da mulher. Dependendo da idade, se prioriza não perder tempo esperando uma gestação natural, pois outros fatores vão se somar à endometriose, como a qualidade do óvulo, o que vai dificultar mais ainda a obtenção de uma gravidez.

Qual é a idade ideal para a mulher engravidar?

O grande problema é que a mulher tem seus óvulos formados desde a vida intrauterina e, com o passar dos anos, essa reserva vai diminuindo e perdendo a qualidade. Sabe-se que as chances de uma mulher engravidar caem abruptamente a partir dos 35 anos. O que não quer dizer que é impossível uma gestação natural após essa idade. Mas é necessário alertar, pois a idade materna avançada é um dos fatores que a Reprodução Humana não resolve. Ela pode dar uma ajuda, facilitar. Porém, não vai criar novos óvulos ou rejuvenesce-los. Pelo menos, por enquanto. Como um reflexo da sociedade atual, a maternidade tem sido cada vez mais adiada por conta do estilo de vida, da carreira, da busca pela estabilidade financeira. No entanto, o corpo não espera por isso. O relógio biológico está girando e os óvulos envelhecendo. É natural que envelheçam.

O que você diria as mulheres?

Atentem para seu relógio biológico. Não precisa se desesperar, mas a precaução sempre é melhor que o prejuízo. Se não puder antecipar a maternidade, procure seu médico e discuta as possibilidades de preservação da fertilidade. A mídia vende a imagem de que não existe limite de idade para ser mãe. Mas não é bem assim. Nossos óvulos envelhecem conosco. Não há botox que resolva. Essas manchetes de artistas tendo filhos com idade muito avançada, na maioria das vezes, é fruto de doação de óvulos, o que elas omitem. Uma gestação natural nessa idade não é impossível, mas é rara. Sem contar os riscos de alterações cromossômicas, como a Síndrome de Down, provocada por erros na divisão meiótica dos óvulos.

Que cuidados a mulher que adia a maternidade deve ter? Qual a melhor conduta?

Um estilo de vida saudável, sempre será benéfico. No entanto, não tem como retardar o envelhecimento dos óvulos. Para mulheres com vontade de adiar a maternidade, ou que ainda não tenham um relacionamento mas que estão vendo os anos passarem, existe a possibilidade de preservar a fertilidade através da técnica de congelamento de óvulos, os quais permanecerão com a idade em que foram congelados. Vale ressaltar que nenhuma técnica é garantia de bebê em casa, mas é uma alternativa e os resultados têm sido bons, com altas taxas de sucesso.

As que não tem ovulação poderiam usar essa técnica?

Existem outros tratamentos para mulheres que não ovulam, que são baseados na estimulação ovariana seguida de fertilização in vitro ou programação do coito, sem a necessidade de manter esses óvulos congelados.

Existem outras técnicas de preservação de fertilidade? Para que casos são utilizadas?

Para mulheres que serão submetidas a quimioterapia e radioterapia pélvica, (tratamentos que podem afetar os ovários e tornar a paciente infértil), mas que não têm tempo hábil ou não podem receber estimulação hormonal antes do tratamento, existe a possibilidade de congelar tecido ovariano. É uma técnica ainda considerada experimental, mas muito promissora, que consiste na retirada e congelamento de um fragmento do ovário e posterior reimplante na paciente ou maturação in vitro dos folículos. Existem muitas pesquisas no mundo para aprimorar essa técnica e conseguir maturar os folículos e óvulos imaturos no laboratório, para depois fazer a fertilização.

Para homens submetidos a tratamentos oncológicos ou medicações que afetem a formação dos espermatozóides, realiza-se o congelamento de semem, que é um procedimento simples e acessível.

Antigamente, quando o congelamento de óvulos seguia outro protocolo que dava baixos resultados, o congelamento de embriões era a alternativa disponível. No entanto, não podia ser oferecida para crianças submetidas à quimioterapia ou mulheres sem parceiro. Além disso, havia toda a questão ética do descarte dos embriões que não fossem utilizados. Por isso, hoje, o congelamento de embriões é uma técnica auxiliar aos procedimentos de Reprodução Assistida, mas pouco utilizada para preservação da fertilidade. É sempre preferível congelar os óvulos, uma vez que se trata de células e não de um embrião (que tem toda a questão ética do que fazer se não utilizado).

Por quanto tempo pode ser guardado um embrião?

Apenas é permitido o descarte dos embriões após cinco anos do congelamento, com consentimento informado pelos cônjuges, obedecendo uma série de critérios.

E nos casos em que a pessoa morre, como fica o material?

Tudo depende do termo que foi acordado antes do congelamento e da posição da família. Tem que estar previsto nesse termo o que fazer em caso de morte: se será descartado, se o parceiro poderá utilizar. Isso tudo será analisado judicialmente.

Falando em fertilidade, a idade pesa só para as mulheres?

O efeito da idade paterna na qualidade do semem e no potencial reprodutivo é controverso, sendo que estudos apresentam resultados conflitantes e não foi observado um limite de idade, como para as mulheres. Apesar disso, diferente da mulher, que nasce com a quantidade de óvulos determinada, o homem passa a vida inteira produzindo espermatozóides e, se não tiver nenhum problema de infertilidade, poderá ter filhos na idade que quiser.

Quais as causas de infertilidade?

Aproximadamente 30% dos casos são decorrentes de fatores femininos (menopausa precoce, endometriose, obstruções ou lesões das trompas, anomalias uterinas e cervicais ou problemas ovulatórios), 30% de fatores masculinos (alterações nos testículos, obstrução de ductos, patologias na próstata, alterações na ejaculação ou ereção e alterações no semem), 20% de ambos e 20% sem causas definidas.

Qual o peso do fator psicológico?

É muito importante. Casais que tem infertilidade sofrem muito, tem altíssimo nível de estresse e frustração. Além do desejo em se tornarem pais, são muito cobrados pela sociedade, pelos familiares e amigos para terem filhos. Essa obstinação em conseguir uma gestação pode afetar até mesmo o relacionamento do casal.

Infertilidade masculina. Como os homens lidam com a questão?

Existe muito tabu porque os próprios homens associam a infertilidade à impotência, isso afeta a virilidade deles.

O que pode prejudicar a fertilidade masculina?

Uso de drogas, cigarro, celular no bolso (pelo efeito das ondas eletromagnéticas) podem afetar a produção e qualidade dos espermatozóides. Laptop no colo também, pelo calor. Pois o espermatozóide deve ficar em temperatura abaixo da temperatura do corpo.

Por isso a localização do testículo é do lado de fora do corpo?

Sim. É para ficar na temperatura adequada.

Existe tratamento de fertilização na saúde pública?

Sim, existem alguns serviços que atendem gratuitamente os casais, arcam com todo o procedimento médico, mas o medicamento, a princípio, é o paciente que paga. Geralmente, as filas de espera são longas. Em Ribeirão, no Hospital das Clínicas, chegam a três anos.

Como a biomedicina pode ajudar na cura do câncer e da aids?

Através da pesquisa, do entendimento dos mecanismos do desenvolvimento da doença e da procura por tratamentos específicos.

Há quem garanta que já tem cura para o câncer!!!!

Acredito nos artigos científicos que são publicados e não é isso que o meio científico apresenta. Na verdade, as pesquisas avançam. Mas, como o câncer é uma doença extremamente complexa, são diversos tipos, mecanismos e características diferentes, diversos genes afetados, não existe uma cura só. O que existem são tratamentos cada vez mais eficazes, mas tudo depende do tipo de câncer, do estágio e, também, de cada paciente.

A endometriose causa câncer?

É uma doença com características de proliferação e invasão muito parecidas com o câncer, mas é benigna. Existem estudos investigando a associação entre os dois, mas nenhum conseguiu comprovar, não tem nada estabelecido.

A pesquisa é a área é que mais se conflita com a religião. Como lidar com a questão? Você é católica, acredita em Deus?

Acredito. Ciência e religião sempre foram colocadas em pólos opostos, mas acredito que ambas possam caminhar juntas. Se tudo for feito de acordo com os preceitos éticos, só ajudará quem necessita. E ajudar, fazer o bem, a meu ver, deve ser o preceito principal de qualquer religião, independente de qual for. Normalmente, cientistas tendem a ser mais céticos. No entanto, conheço cada vez mais pesquisadores, médicos, profissionais da área que equilibram ambos. Acredito que Deus as condições para que a ciência avance, evolua, pelo bem maior.  Quando Ele não quer, não tem Reprodução Assistida que faça. Tenho a minha espiritualidade e procuro conduzir os dois lados ao mesmo tempo – espiritual e científico. Um não anula o outro.

Então ciência e religião andam juntas?

Acredito que, sem hipocrisia, religião e ciência podem andar juntas. As regras foram criadas pelo homem.

Volta sempre para Encantado?

Sempre volto a Encantado para ver minha família, descansar, encontrar amigos. E já trouxe meu namorado, meus sogros, amigos paulistas para conhecer a cidade. Todos adoraram. Acharam a cidade linda e se surpreenderam com a estrutura. Pois, normalmente, cidades com 20 mil habitantes são pouco desenvolvidas. E, aqui, o comércio é forte, existem indústrias, a cidade é bonita, existem prédios (risos).

Algo que gostaria de acrescentar

Sou muito feliz com minhas escolhas, com a vida que levo e com a profissão que tenho seguido. Quero, de alguma forma, poder ajudar muitas mulheres com minhas pesquisas, aliviar o sofrimento dessas pacientes e ajuda-las a realizar o sonho da maternidade. Sou muito grata à minha família, pelo apoio que sempre me deram. Aos mestres que encontrei pelo caminho. A todos que colaboraram (e ainda colaboram) com a minha trajetória.

Entrevista veiculada na Edição 43 da Revista Visual | Ano 29 | Dezembro 2016

Capa da Revista Visual | Jornal Força do Vale Edição 44 | Ano 29 | Dezembro 2016
Capa da Revista Visual | Jornal Força do Vale Edição 44 | Ano 29 | Dezembro 2016

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